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18.01.2017
No sertão da Paraíba, grupo feminista luta por direitos na agricultura
Jornal - Folha S. Paulo


Por Patrícia Pamplona

"Não adianta plantar sem desmatar, sem queimar, sem usar veneno se as mulheres permanecem sofrendo violência", afirma uma das líderes do movimento feminista no sertão paraibano, Maria Leônia Soares da Silva, 42.

Presidente do sindicato de agricultores de Massaranduba, que faz parte do Polo da Borborema, ela é uma das fundadoras do movimento social que, anualmente, organiza a Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia, que reuniu 5.000 mulheres no ano passado e chega a sua oitava edição em 8 de março de 2017, em Alagoa Nova (PB).

Segundo ela, por ser mulher e negra, foi muito questionada por sua competência na liderança da associação.

Feministas do sertão paraibano
Desde 1993 em Esperança (PB), a AS-PTA (Agricultura Familiar e Agroecologia) atua na região para fortalecer a agricultura familiar e promover o desenvolvimento rural sustentável.

O trabalho da organização ganhou ainda mais força com a chegada da Fundação Banco do Brasil, em 2010, que já instalou mais de 92 mil cisternas. Isso tem ajudado no fortalecimento da agricultura, o que contribui para o ganho de visibilidade das mulheres.

"Hoje, a gente tem muitas mulheres nas direções dos sindicatos e é muito importante porque é a voz delas", diz Maria Leônia.

Leia seu depoimento à Folha.

*

Somos um movimento sindical, com articulação de 15 sindicatos aqui na região que têm uma luta pautada na agricultura familiar, muito forte aqui na região. Ela tem garantido a soberania alimentar das famílias aqui da região.

Quando a AS-PTA chega em 1993, a gente começa a sair daquela estrutura do sindicato de escritório. Antigamente, muito sindicalista não conhecia nem a realidade dentro do município.

A AS-PTA começa a construir esse processo de formação para que as organizações dos trabalhadores possam refletir sobre sua realidade.

É a partir desse diagnóstico, de entender como é os agricultores estão fazendo a agricultura familiar, que começa esse movimento social, a partir de princípios muito fortes.

O conhecimento desses agricultores e agricultoras, até então, era desvalorizado pela assistência técnica. Como se os técnicos ensinassem os agricultores a fazer agricultura. Quem faz agricultura somos nós.

Os sindicatos eram muito centrados em sua própria estrutura, preocupados apenas com a aposentadoria, em receber a mensalidade dos sócios.

Aí foi constituindo esse movimento social, de fortalecer a agricultura familiar pautada na agroecologia, numa forma de fazer agricultura respeitando o ambiente, construindo novas relações aqui no território.

Desvalorização - A luta das mulheres se dá dentro desse contexto. As agricultoras vinham sofrendo desigualdades, violência. Viviam na invisibilidade. Muitas vezes, quem era sócio do sindicato era apenas o homem.

A gente foi tirando a invisibilidade das mulheres, construindo justiça social. Elas trabalhavam, mas não tinham direito a renda. Se vendiam um saco de feijão, quem ficava com o dinheiro eram os homens.

Sempre foram desvalorizadas, sofrendo violência doméstica, psicológica, de dizer que não tinham conhecimento, chamar de burra. Não podiam participar, só ir à missa e olhe lá. Não tinham direito de participar do sindicato, das associações.

Tirar do isolamento, construir momentos de encontros, intercâmbios, dentro do território foi fundamental para entender essa realidade também a partir do olhar dessas mulheres, das experiências que elas vinham fazendo.

A gente vê que as elas têm uma abertura maior para inovar, valorizar o que tem ali no ambiente, refletir junto às famílias que não precisa trazer o refrigerante de fora, tem a fruta, a polpa.

Muitas vezes, além da alimentação, elas trazem a própria renda porque, na hora do aperto, são elas que vendem o ovo, uma galinha capoeira, para comprar a roupa de um filho, por exemplo.

A agroecologia é essa nova forma de viver. Não adianta plantar sem desmatar, sem queimar, sem usar veneno se as mulheres permanecem sofrendo violência.

Mobilização - Fizemos a sétima marcha este ano, no município de Areial [PB]. É uma luta que a gente não tem tempo de guardar as bandeiras. Mulheres que não falavam, não saíam de casa, na marcha se reafirmam ao ir paras as ruas dizer que somos agricultoras, estamos construindo um projeto de novas relações entre homens e mulheres.

Estamos mobilizando as próximas [marchas] com muitos desafios porque estamos numa conjuntura do país extremamente difícil, de desmonte de direitos que foram conquistados pela sociedade civil.

Mas nós enquanto movimento não podemos baixar a bandeira. Estamos construindo essa marcha. Na última conseguimos levar 5.000 mulheres lá para o município de Areial, onde já se cogitava essa mudança de conjuntura, os desafios, a desvalorização do movimento social, a sua criminalização.

Participação dos homens - A reflexão que a AS-PTA faz com o polo, os agricultores e as agricultoras é fundamental porque não tem como a gente refletir as desigualdades que as mulheres sofrem sem o homem se ver dentro desse processo, entender que tem o seu papel na desconstrução da violência.

Como a gente vai estar numa luta por um lado, levantando uma bandeira, chegar em casa e apanhar dos maridos? Precisa, acima de tudo, envolver os homens nesse debate. Tem muitos que vão para a marcha, que levantam a bandeira da agroecologia, contra a violência contra as mulheres.

Frutos - Muitas mulheres que viviam sofrendo violência conseguiram se libertar. Não saíam nem de casa ou, quando saíam, tinham hora marcada para chegar. O homem não comia, só se alimentava quando a mulher chegasse. São frutos muito importantes.

Além de tudo, as mulheres vêm assumindo espaços de decisão. Estão à frente de associações que tinham fortemente a presença dos homens.

Hoje, a gente tem muitas mulheres nas direções dos sindicatos e é muito importante porque é a voz delas. E até a própria questão da juventude. A violência que as mulheres sofrem os jovens também sofrem.

E todas as mulheres sofrem violência. Para assumir a diretoria do sindicato, sofri muitos preconceitos dos outros companheiros na direção, que eu não tinha capacidade, ia destruir o trabalho, não ia dar conta.

Por ser mulher, negra, aí que os desafios aumentam. Mas é através desse trabalho que o polo tem construído que a gente vai se fortalecendo.

 

** A repórter PATRICIA PAMPLONA viajou a convite da Fundação Banco do Brasil, patrocinadora do Prêmio Empreendedor Social

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