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22.11.2016
"Condenação do Lula faz parte do golpe", afirma Gilberto Carvalho
Site - Brasil de Fato
Em entrevista para o Brasil de Fato, ex-ministro fala sobre ataques à democracia no Brasil e na América Latina

Por Monyse Ravena - Brasil de Fato

"O desmonte que está acontecendo no Brasil começou no Paraguai, depois pegou a Argentina, está fortemente golpeando a Venezuela, o Equador, depois a Bolívia, enfim, eles vão tentar desmontar tudo", afirma Gilberto Carvalho. O ex-ministro chefe da secretaria-geral da Presidência foi convidado para mesa de abertura do IX Encontro Nacional da Articulação Semiárido (EnconASA), em Mossoró (RN). O Encontro é uma articulação de organizações da sociedade civil, sindicatos rurais, associações de agricultores e agricultoras e cooperativas, em defesa de um projeto político de convivência com o Semiárido.

Em entrevista para o Brasil de Fato, Gilberto Carvalho falou sobre a conjuntura política que atinge o Brasil e a América Latina e comentou ainda sobre as investidas do judiciário contra o ex-presidente Lula. "Condenar o Lula de alguma forma é avisar para as pessoas que ninguém mais ouse se levantar", diz.

Segundo Carvalho, a "condenação do Lula faz parte do golpe e é uma consequência absolutamente necessária. É eliminar a possibilidade de reação no futuro".

Confira a entrevista completa:

Brasil de Fato: No tema da América Latina, nós vimos a importância da integração regional nos últimos anos. Nesse processo de integração, o que é que muda com o golpe no Brasil?

Gilberto Carvalho: O Brasil não só não é um caso isolado como a vítima desse processo é a América Latina e a organização incipiente que nós estávamos fazendo na América Latina. A ousadia de reconstruir o Mercosul, de fazer a Unasul, de fazer a Celac é, sem dúvida nenhuma, um dos fatores que chamou atenção dos Estados Unidos e o desmonte que está acontecendo no Brasil começou no Paraguai, depois pegou a Argentina, está fortemente golpeando a Venezuela, o Equador, depois a Bolívia, enfim, eles vão tentar desmontar tudo. Então, eu acho que a articulação entre as esquerdas e os setores populares na América Latina é uma obrigação nossa. Eu não sei se é via a continuidade do Foro de São Paulo ou a criação de uma nova forma de articulação. Acho que a Via Campesina tem um papel fundamental nisso porque ela já está presente nesses países. Mas, eu acho que é fundamental a gente se articular e ter clareza de que a causa é a mesma e a saída vai ter que ser em conjunto.

Qual o papel do capital internacional no golpe no Brasil?

Eu não gosto de visões muito mágicas ou conspiratórias de que o capital internacional teve uma presença nesse, naquele ou naquele outro ponto, mas eu não tenho dúvidas que a criação dos Brics, essa articulação que nós falamos agora a pouco na América Latina, a questão do Pré-sal foram elementos fundamentais que provocaram uma ação muito bem estabelecida, muito bem concatenada, coordenada dos Estados Unidos, das grandes petroleiras, do sistema financeiro internacional, que decidiu bloquear o nosso processo e fazer o reenquadramento da América Latina e do Brasil, através de formas muito claras e de aliados internacionais. O José Serra (PSDB) se mostrou um aliado extremamente dócil a eles e foi importante no processo da conspiração, foi importante no processo do pré-sal. Não é à toa que ele é autor do projeto que acabou passando. Então eu tenho convicção absoluta que se tratou do reenquadramento do Brasil no modelo neoliberal, a partir dos interesses econômicos a partir das grandes petroleiras e do sistema financeiro.

Um dos principais temas tratados por você na mesa foi sobre a comunicação. Qual a importância da comunicação popular nessa conjuntura?

Na verdade, eu considero que a comunicação popular é a grande ferramenta nesse momento para poder fazer uma reversão na chamada narrativa dos fatos para os setores populares. Nós perdemos uma grande ocasião de ampliar a comunicação nos governos do PT e transformá-la em uma comunicação de massa. Mas nós não podemos perder esse horizonte. Eu não entendo a comunicação popular como uma comunicação de nicho, menor ou com um papel mais reduzido. Eu acho que nós temos que ter ambição de ela se transformar cada vez mais numa comunicação massiva e a minha quase obsessão é que a gente consiga criar a forma de chegar a esse povão que hoje é refém dos meios de comunicação. Eu sei que é uma concorrência dura, que eles têm uma tecnologia muito grande e, em especial, eles têm um recurso imenso, é uma luta de Davi contra Golias, mas nós temos que persistir. Eu presto uma homenagem a todos aqueles que estão lutando nas formas várias de comunicação popular e o desafio é a gente ter ousadia nesse momento e buscar formas de articulação entre os diversos veículos.

Porque há uma pulverização imensa e há pouca unidade nesses veículos populares de comunicação. Estão tentando criar, inclusive, uma articulação entre os vários veículos e eu acho isso fundamental. É bom que haja pulverização, é bom que haja pluralidade de veículos, mas porque nós não podemos ter uma agência comum por exemplo? Porque nós são podemos ter formas de distribuição que facilite um ao outro? E outra coisa, as redes sociais são fundamentais, mas não podemos abandonar o papel. Se o papel não fosse importante você não tinha toda manhã em várias capitais esses jornais distribuídos gratuitamente tipo Destak, tipo Metrô. O trabalhador gosta de ler, o problema é a maneira como a gente se apresenta para ele. Se a gente consegue ter uma comunicação agradável, palatável. Então, eu acho que não reverteremos o quadro se a gente não der para comunicação popular um papel relevante, um papel massivo.

Você falou da ausência da disputa ideológica nesses anos do governo do PT. Você acha que essa ausência dificultou a resistência ao golpe?

Muito. Porque nós tivemos minorias muito conscientes e mobilizadas, heroicamente, indo para a rua. Mas nós podíamos ter milhões de pessoas. Aquilo que Leonardo Boff expressou um dia, se o povo pobre soubesse o quanto ia perder com o golpe as ruas não caberiam de tanta gente ocupando as ruas. Infelizmente, nós tivemos uma mobilização da militância mais consciente e de uma cidadania de classe média que foi se dando conta do que estava se passando, os setores populares aderiram pouco as nossas manifestações. Porque foram completamente iludidos, completamente desinformados e acabou de uma forma mais ativa ou menos ativa apoiando ou pelo menos consentindo o golpe. Nós não conseguimos conectar a inclusão econômica com um tipo de inclusão social e cultural. Ao não conseguir permitir que as pessoas entendessem que aquele bem que ele tinha alcançado estava dentro desse projeto, nos permitimos que o ataque ao projeto fosse feito sem as pessoas perceberem que isso iria mexer profundamente com elas.

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