Mobilização
14.03.2017 PB
Uma Marcha construída nos 365 dias do ano para romper a cultura do machismo

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Por Verônica Pragana - Asacom

A mobilização e formação política das mulheres do Polo da Borborema, realizador da Marcha, nunca para | Foto: Arquivo ASPTA

O que se vê nas ruas das cidades alcançadas pela Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia a cada ano é o ápice de uma ação que se constrói mês a mês. Basta terminar uma marcha, as mulheres já iniciam o trabalho que vai dar gás e sustança para a próxima edição. Na verdade, a mobilização e formação política das mulheres do Polo Sindical da Borborema, realizador da Marcha, nunca para. Esse é o grande segredo desta manifestação que chega ao seu oitavo ano com muito vigor e garra, superando as dificuldades do caminho, a exemplo dos poucos recursos financeiros. Para ser realizada, basta o sentido que a ação faz para as milhares de vidas de mulheres e jovens que vivem sob a opressão da cultura machista.

“Hoje a gente teve [na concentração da Marcha] o teatro que trouxe a sucessão do machismo que tá acontecendo ainda. Na mente de muitas pessoas, isso não existe. Mas a gente prova que existe. Quando não sou respeitada pela cor do meu batom, pela roupa, pelo cabelo, pela hora que saio de casa e chego. Enquanto a gente ver que a juventude está sofrendo com o machismo, é necessário continuar esta luta, por isso que [a Marcha] tem um significado forte, de dar continuidade a esse rompimento de barreiras, do machismo e de todo este preconceito”, afirma Mônica Cabral, uma jovem de 19 anos que desponta como liderança do Polo.

Através da Marcha, Mônica conheceu de perto a luta que busca libertar as mulheres de qualquer forma de opressão. Hoje, é uma liderança do Sindicato de Massaranduba | Foto: Gleiceani Nogueira/Arquivo Asacom

Há três anos, Mônica teve seu primeiro contato com a Marcha, a edição que aconteceu na sua cidade, Massaranduba. Ela foi levada para dentro do movimento de mulheres rurais por um trabalho da escola. Conheceu de perto a luta que busca libertar as mulheres de qualquer forma de opressão, se identificou e se envolveu tanto que, hoje, é uma forte liderança do Sindicato de Massaranduba. Além de ser diretora sindical, Mônica coordena o trabalho com a juventude e faz parte da Comissão de Saúde e Alimentação do Polo da Borborema, um coletivo de 14 sindicatos de trabalhadores e trabalhadoras rurais do território que tem assessoria da ONG ASPTA.

Na mesma idade que Mônica conheceu o movimento de mulheres rurais em 2015, Raiane também no último dia 8, no centro de Alagoa Nova, palco da 8ª edição da Marcha. Aos 16 anos, Raiane se uniu as cinco mil mulheres trazida pelos braços de uma jovem mulher também liderança do Polo, Sidinéia Camilo, que faz parte do Sindicato de Remígio. Esta cidade é o novo endereço de Raiane, a mãe e seus três irmãos. Eles deixaram o sítio na zona rural de Areia depois que o pai agrediu fisicamente a mãe.

O olhar de Raiane na Marcha era de encantamento. Pra ela, assistir a peça “A culpa não é de Zefinha” a ajudou a entender melhor o mundo que subjuga a mulher diante do homem. A apresentação aconteceu minutos antes das mulheres caminharem cantando e gritando palavras de ordem pelas ruas de Alagoa Nova. Um mar de gente que equivalia a quase 20% da população do município.

“Muitas mulheres começam a entrar em contato com a luta através da Marcha, que renova as nossas energias e nos fortalece para conquistarmos a nossa autonomia e liberdade”, confirma outra liderança sindical jovem, Márcia Araújo, também atriz do Grupo de Teatro Amador do Polo da Borborema e que dá vida à personagem Zefinha nas várias montagens inspiradas na vida real para descortinar a naturalização da violência que as mulheres vivem a cada dia.

Ao passo que a Marcha desperta as mulheres para assumir o seu próprio corpo, desejo e destino, a energia gerada a partir desta tomada de consciência nutre o trabalho consistente realizado no Polo da Borborema que questiona e desconstrói a cultura machista e patriarcal, uma das bases do sistema capitalista.

Há 20 anos, o Polo, como todo o movimento sindical, era formado por homens. Hoje, metade dos 14 sindicatos que fazem parte do Polo é presidido por mulheres e mais dois sindicatos têm uma mulher na vice-presidência. A presença feminina é muito forte em vários espaços de poder além dos sindicatos, como na gestão de fundos rotativos solidários, que são uma forma de auto-organização das famílias para terem acesso à tecnologias de convivência com o Semiárido, uma vez que a região do brejo paraibano não é reconhecido como Semiárido legal e, portanto, não está incluído nas políticas públicas de convivência antes promovidas pelo Governo Federal.

“Hoje todos os sindicatos não têm mais mulher por cota, têm mulheres que estão na diretoria cumprindo seu papel. O que a gente tem aqui é uma mudança de percepção, seja das próprias mulheres que se percebem trabalhadoras rurais, detentoras de conhecimento, de experimentação, seja pelos companheiros dos sindicatos. Hoje, o polo sindical considera como determinante para a construção da agroecologia esse movimento de mulheres, esse é um diferencial do Polo da Borborema”, continua Adriana.

Luta antiga - Olhando para a história do movimento de trabalhadoras rurais da região, o impulso contra a opressão sofrida pelas mulheres surgiu ainda no tempo da ditadura civil-militar (1969 e 1985) que o Brasil passou. A primeira mulher a assumir a presidência de um sindicato rural na Paraíba, Margarida Alves, que teve uma gestão de 12 anos (1971 a 1983), interrompida pelo seu assassinato, lutou com muita coragem para que os trabalhadores do campo tivessem os mesmos direitos trabalhistas conquistados pelos trabalhadores da cidade, como carteira de trabalho assinada, férias, 13º salário e jornada de trabalho de 8 horas diárias. E para que as mulheres tivessem os mesmos direitos dos homens.

“O trabalho rural era análogo ao escravo, era uma região de cana-de-açúcar. Os trabalhadores trabalhavam só pela comida da semana, sem qualquer direito e sem horário de trabalho. A mulher não se aposentava, a pensão era meio salário mínimo, só o homem que ganhava aposentadoria, a mulher precisava fazer uma luta até para ser considerada trabalhadora”, conta Adriana, destacando esta história trouxe uma força especial para a 8ª edição da Marcha.