Sementes
20.03.2017 SE
Guardiões de sementes crioulas realizam encontro no sertão sergipano

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Por Por Daniela Bento e Thais Moura*

As trocas de sementes são processos que reforçam a economia solidária nas comunidades rurais do Semiárido | Foto: Dani Bento

Plantar, colher, guardar e distribuir não só sementes, mas também conhecimentos, essa é a missão dos(as) guardiões(as) das sementes crioulas. Nessa perspectiva, aconteceu entre os dias 16 e 17 de março na Unidade de Produção Camponesa do Movimentos dos Pequenos Agricultores (MPA), localizada no município de Canindé do São Francisco o Encontro Estadual dos Guardiões(ãs) das Sementes da Liberdade e encontro territorial do programa de manejo da agrobiodiversidade de sementes do semiárido, com o tema “Semeando a Rede Sementes da Liberdade”, o evento envolveu entidades da sociedade civil, redes e movimentos, além de entidades de pesquisas que vêm discutindo o tema das sementes crioulas no estado.

O encontro embora esteja previsto dentro das ações do programa de manejo da agrobiodiversidade de Sementes do Semiárido da Articulação Semiárido (ASA), que no estado é executado pela Sociedade de Apoio Sócio Ambientalista e Social (SASAC), contou com o apoio direto do Movimento dos Pequenos Agricultores(as) e da Rede Sergipana de Agroecologia (RESEA), guardiões(ãs) do território do Alto Sertão e Sertão Ocidental para a sua realização.

Cada guardião(ã) trouxe na sua fala suas experiências com as casas de sementes e os benefícios que estas trouxeram para suas respectivas comunidades. Com o intuito de troca e interação entre os guardiões(ãs) de sementes do estado, os agricultores trouxeram suas realidades para mostrar a importância das sementes em suas vidas.

Entre as discussões, refletiu-se acerca dos principais desafios enfrentados pelos(as) guardiões(ãs) nos últimos anos. A escassez das chuvas foi o primeiro ponto, pois a falta da chuva implica em perda da colheita e respectivamente das sementes que foram semeadas. A questão do agronegócio e todo seu pacote de tecnologias, que inclui os agrotóxicos e transgênicos, também foi um problema muito destacado.

Dentre as instituições de pesquisa, o encontro contou com a participação de Diogo, do Núcleo de Agroecologia da Embrapa, que avaliou a importância do encontro. “Pra nós, esse encontro de guardiãs e guardiões de sementes é uma oportunidade muito significativa pra ver como os princípios da conservação começam a ser compartilhado entre os agricultores. Por que muitos guardiões e guardiãs apesar de guardarem sementes a muito tempo, não tinham essa informação da importância do papel de guardião, da importância da semente que ele cultiva para comunidade e para outras organizações e entidades e comunidades de agricultores”, disse Diogo.

A partilha dos saberes e da grande variedade das sementes revela a riqueza cultural do Semiárido | Foto: Daniela Bento

E complementou, “eles consideravam que essa semente era importante para ele apenas. Então a partir desse momento da socialização em momentos como esse, o guardião se autorreconhece como guardião, e a importância do seu trabalho para conservação das sementes crioulas, que são sementes que tem tradição, que tem história de cultivo pelas famílias camponesas, e que por isso tem uma importância no fortalecimento dessa agricultura camponesa agroecológica que vem crescendo junto às entidades de agricultores familiares”.

Já a professora Eliana Dalmora, do Instituto Federal de Sergipe (IFS), afirmou que “o encontro foi um momento importante para refletir‐se a conjuntura atual e os desafios iminentes com os cortes de orçamentos que culmina com a descontinuidade do financiamento do projeto e da própria assistência técnica”.

Lanna Cecília, doutoranda em agronomia e militante do MPA, destacou como ponto relevante do encontro a forte confirmação do conhecimento e dos saberes dos guardiões (ãs). Partindo de uma analise de conjuntura refletiu‐se os riscos com as percas dos direitos conquistados caso seja aprovada a reforma da previdência. Para ela esse momento foi de grande valia para perceber o quanto o campesinato esta consciente do seu papel e da importância da sua resistência.

Luiz Mário, coordenador do projeto de sementes da Agrobiodiversidade, destacou como importante a perspectiva da criação de uma Rede de Guardiões da Semente da Liberdade, acolhida por todos os guardiões presentes. “Essa rede tem o objetivo de articular os guardiões do estado, buscando fortalecer a produção das sementes crioulas, dando-lhes maior liberdade e autonomia” afirmou Luiz.

Nesse sentido, foi encaminhado a criação de uma comissão com representantes dos guardiões e das organizações para pensar a rede sergipana de guardiões das sementes da Liberdade, a necessidade de fortalecer o compromisso individual na luta coletiva e participar da campanha do MPA intitulada “adote uma semente”, reforçando a luta contra a reforma da previdência e por último, abraçar a luta por políticas para o enfrentamento da seca com participação no Acampamento da Seca, que terá inicia no dia 21 de abril no município de Aracaju.

O desfecho do encontro se deu em clima de festa e religiosidade. Em procissão com São José, santo aclamando pelos camponeses como responsável pelas chuvas, os guardiões empunhando suas sementes, caminharam para fazer a troca de sementes, um momento místico, envolto de simbolismo, alegria, reciprocidade e generosidade, adjetivos que regem a vida daqueles que preservam e guardam as sementes da liberdade, sementes do futuro.

 

*Daniela Bento é Comunicadora Popular do Centro Dom José Brandão de Castro (CDJBC) e da Rede de Comunicadores (as) de Sergipe e Thais Moura é do Coletivo de comunicação do Movimento dos Pequenos Agricultores (as) MPA