Reformas Federais
12.05.2017
Reformas que destroem os direitos dos trabalhadores são aprovadas às pressas e sem diálogo com a sociedade

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Por Gleiceani Nogueira - Asacom

Ato contra as reformas trabalhista e previdenciária na cidade de Juazeiro do Norte, no Cariri cearense | | Foto: Nelzilane Oliveira - Comunicadora da ACB

O governo Temer e o Congresso Nacional parecem não se preocupar com o que diz as ruas. Mesmo diante de um cenário de grande insatisfação popular, o governo e os partidos da base aliada vêm aprovando, em ritmo acelerado e sem debate com a sociedade, diversas propostas que retiram direitos da população, entre elas, a Reforma Trabalhista, a Lei da Terceirização, a PEC 241, que congela os gastos públicos nas áreas de saúde e educação por 20 anos. Além dessas, o governo pretende aprovar até o final deste mês a Reforma Previdenciária na Câmara dos Deputados.

Para o professor de direito da Universidade Federal de Pernambuco, Alexandre da Maia, as medidas adotadas pelo Governo priorizam o mercado em detrimento dos direitos da população, descaracterizando o modelo do Estado Social como garantidor de direitos preconizado na Constituição Federal.

“A gente tem que considerar a ideia de um Estado como um mecanismo garantidor de direitos. É pra isso que ele surge, para garantir direitos e ao mesmo tempo conter a possível sanha da economia e da política em querer tomar conta dos espaços sociais. Quer dizer, o direito funciona como uma espécie de blindagem contra essa possível dinâmica política e econômica que venha a passar por cima desses direitos. Esses argumentos colocados em torno da ideia de que “não tem outro jeito”, “o Brasil vai quebrar se não fizer as reformas”, é uma tentativa de colocar critérios econômico-rentistas passando por cima de direitos. Isso realmente inverte completamente a dinâmica dos direitos em qualquer democracia decente”, disse o professor em entrevista durante o Programa Fora da Curva, veiculado pela Rádio Universitária de Pernambuco, no dia 28 de abril, dia da greve geral.

No dia em que o Brasil parou, mais de 35 milhões de pessoas de pequenas, médias e grandes cidades do País, do campo e da cidade, foram às ruas. O ato foi marcado pela unidade das principais centrais sindicais em torno dos direitos da classe trabalhadora, entre elas a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e Força Sindical. A greve também foi organizada pelas Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo e recebeu o apoio da Igreja Católica. Com a orientação da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), mais de 100 arcebispos e bispos convocaram os fiéis para o ato, uma demonstração não vista desde o fim do regime militar.

Em Nota Pública, a CNBB destacou que o trabalhador não é mercadoria e tem direito à justa remuneração. Além disso, o documento também assegura que as relações não podem absolutizar o Mercado em detrimento dos direitos conquistados e do enfraquecimento do Estado. “Nessa lógica perversa do mercado, os Poderes Executivo e Legislativo reduzem o dever do Estado de mediar a relação entre capital e trabalho e de garantir a proteção social. Exemplos disso são os Projetos de Lei 4302/98 (Lei das Terceirizações) e 6787/16 (Reforma Trabalhista), bem como a Proposta de Emenda à Constituição 287/16 (Reforma da Previdência). É inaceitável que decisões de tamanha incidência na vida das pessoas e que retiram direitos já conquistados, sejam aprovadas no Congresso Nacional, sem um amplo diálogo com a sociedade”, diz um trecho do documento.

Maria de Nêna é agricultora e feirante e participou do ato contra as reformas trabalhista e previdenciária na cidade de Juazeiro do Norte, no Cariri cearense | Foto: Nelzilane Oliveira - Comunicadora da ACB

Maria Agustino de Aquino (Maria de Nêna), 55 anos, agricultora e feirante do Assentamento 10 de Abril, participou do ato contra as reformas trabalhista e previdenciária na cidade de Juazeiro do Norte, no Cariri cearense, acompanhada da neta, de 10 anos. A agricultora questionou as novas regras da aposentadoria, que desconsidera as especificidades da categoria.

Pelas novas regras, os trabalhadores do campo deverão cumprir 15 anos de contribuição, devendo ainda atingir uma idade mínima de 57 anos para as mulheres e 60 para homens para dar entrada na aposentadoria. 

“Uma mulher que trabalha na roça não tem a mesma vida de uma mulher que trabalha na cidade numa sala com ar condicionado. Não podemos deixar que isso acabe dessa forma, estamos na luta por muitos anos e vamos continuar”, ressaltou.

A reforma da previdência também não considera a tripla jornada de trabalho das mulheres, que além das atividades domésticas exercem atividades na roça. O fim da aposentadoria especial representa também uma grande perda da autonomia das mulheres, pois a previdência trouxe segurança para as famílias da zona rural, principalmente para as trabalhadoras rurais que antes não tinham nenhuma fonte de renda.

Para a presidente do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras e Agricultores e Agricultoras Familiares de Juazeirinho, na Paraíba, e vice-presidente da CUT no estado, Cláudia Luciana Cavalcanti da Costa, o Brasil tem uma dívida histórica com a Agricultura Familiar que é setor responsável por alimentar a população.

“As políticas públicas executadas nos últimos 12 anos que garantiram segurança hídrica para as famílias, que as mulheres deixaram de andar 3, 4 quilômetros com a lata d’água na cabeça porque têm a sua cisterna de água de beber e de produção, a gente sabe que tudo isso está em jogo. Não é só a reforma da previdência e a reforma trabalhista, mas as garantias sociais todas”, reforça Cláudia.

Considerando o salário mínimo em vigor, um trabalhador rural vai ter que contribuir com 5% desse valor para o INSS, que hoje fica em torno de R$ 47 reais por mês. Para quem depende da produção para obter lucro, essa exigência se torna irreal.

A reforma proposta pelo governo altera regras para idade mínima para aposentadoria.

“As relações do campo não são iguais às relações da área urbana. A gente tá sob efeitos de situações da natureza que ora chove e as famílias têm condições de produzir e obter seu lucro, e ora, como é agora, nós estamos no sexto ano de seca, e aí o governo propõe uma reforma que não observa essa realidade. Além disso, os trabalhadores começam a trabalhar muito mais cedo do que as pessoas que trabalham no setor urbano”, contextualiza Cláudia.

Legalizando a exploração da mão de obra - No caso da reforma trabalhista, ela vai agravar a situação degradante que muitos trabalhadores e trabalhadoras rurais que atuam na informalidade já estão sujeitos. Muitos agricultores e agricultoras que não trabalham na sua própria terra, acabam trabalhando como diaristas em fazendas, sem carteira assinada, e, consequentemente, sem nenhuma proteção trabalhista. Nesses casos, as relações são negociadas diretamente entre o patrão e trabalhador, como prevê o projeto da reforma trabalhista.

“A lei está dizendo que o trabalhador tem a liberdade de negociar com o patrão, mas a gente sabe que a relação não é assim. O patrão não está de igual para igual com o trabalhador. Isso tudo mudando é o negociado sobre o legislado. Então fragiliza o trabalhador e também o sindicato que é o instrumento de luta do trabalhador”, destaca Cláudia.

Alexandre da Maia ressalta que, durante a discussão da reforma trabalhista na comissão especial, foram apresentadas 850 emendas por 82 parlamentares, a maioria ligados a partidos aliados do governo, segundo apuração do site Intercept Brasil. O professor enfatizou que dessas propostas de “aperfeiçoamento”, 292 foram integralmente redigidas em computadores de representantes da Confederação Nacional dos Transportes, da Confederação Nacional das Instituições Financeiras, da Indústria e da Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística.

“Para mostrar como essas reformas são artificiais, os parlamentares que assinaram essas emendas nem sequer, alguns deles, eram membros dessa Comissão Especial, nem mesmo como suplente. Isso mostra na verdade que o apoio sedimentado dentro da comissão especial não foi estruturado a partir dos próprios membros da comissão especial, mas eles assinaram textos a partir da produção efetuada por entidades privadas focadas na atividade econômico-rentista. Isso mostra, nitidamente, que o pano de fundo dessas reformas na verdade não é a garantia de direitos, muito pelo contrário. É o de garantir o espaço de quem sempre lucrou com a atividade econômica no Brasil em detrimento do povo mais pobre e que vai ficar ainda mais desassistido caso todas essas reformas sejam aprovadas”, desabafa o professor.

Outra ameaça ao trabalhador rural é o PL 6442/2016, uma espécie de braço do projeto da reforma trabalhista, que prevê que a remuneração do trabalhador seja garantida na forma de comida e moradia, em substituição ao salário. A remuneração também poderá ser feita com parte da produção e concessão de terras.

O projeto é de autoria do presidente da bancada ruralista na Câmara, deputado Nilson Leitão (PSDB-MT) que trata especificamente dos direitos dos trabalhadores rurais. O projeto deve começar a ser debatido em uma comissão especial na Câmara.

O texto prevê ainda aumento da jornada de trabalho, o fim do descanso semanal, o fim das férias, uma vez que é permitida a venda integral desse direito, além de trabalho nos finais de semanas sem justificativa. Na prática, é o fim da CLT e o retorno as condições de trabalho escravo.