AGROTÓXICOS
10.07.2017 CE
Audiência pública mostra retrocessos da nova proposta de Lei dos Agrotóxicos do Ceará

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Por Raquel Dantas - Rede de Comunicadoras/es Populares do FCVSA/ASA

Fórum Cearense se articula para barrar o projeto que prevê uma nova lie de agrotóxicos para o estado | Foto: Arquivo FCVSA

A produção, comercialização e uso de agrotóxicos são questões de saúde pública e ambiental reguladas no Ceará através da Lei nº 12.228, em vigor desde 1993. Este ano uma proposta de atualização da legislação foi apresentada pelo governo do Estado. Ela traz retrocessos em relação à lei anterior e ignora proposições feitas pela sociedade civil e aprovadas no âmbito do Fórum Cearense de Combate aos Impactos do Uso de Agrotóxicos (FCCA), coordenado pelo Centro de Apoio Operacional de Proteção à Ecologia, Meio Ambiente e Urbanismo (CAOMACE) do Ministério Público.

É neste espaço que desde 2015, órgãos e secretarias do governo, sociedade civil, instituições de ensino e pesquisa e setor empresarial puderam opinar sobre a minuta da Lei, elaborada pela Secretaria do Meio Ambiente do Estado do Ceará (SEMA). Uma vez apresentada à Assembleia Legislativa, a minuta passa a ser votada pelas comissões e a expectativa é que não encontre dificuldades para ser aprovada, já que o governo tem maioria na casa e os empresários ligados ao agronegócio fazem forte lobby para garantir que esta versão passe a valer. O interesse do setor está no afrouxamento dos mecanismos de fiscalização, controle e até das penalidades sobre infrações relacionadas ao uso de agrotóxicos.

Audiência pública

Enquanto nos bastidores da construção da lei os atores disputam interesses privados, a maior parte da população cearense continua sem acesso a esse debate. Com o objetivo de garantir um canal de discussão mais amplo, em que o próprio governo estadual pudesse responder às questões sobre a minuta, o deputado estadual Renato Roseno, demandado por movimentos e organizações que atuam contra a utilização intensiva de agrotóxicos e em defesa da produção agroecológica, fez requerimento às Comissões do Meio Ambiente e Agropecuária para a realização de audiência pública sobre o tema.

A audiência aconteceu na última sexta-feira (07/07), na Assembleia Legislativa, com participação de agricultoras, agricultores e representantes de instituições e movimentos de diversas regiões do Estado. Empresários do agronegócio também marcaram presença. A mesa foi composta pelo secretário do Meio Ambiente e Sustentabilidade, Artur Bruno, e representantes de órgãos estaduais como a Superintendência Estadual do Meio Ambiente (SEMACE) e a Agência de Defesa Agropecuária do Estado do Ceará (ADAGRI); pela promotora Jacqueline Faustino, coordenadora do CAOMACE e do FCCA, do Ministério Público do Estado; Fernando Carneiro, pesquisador da Fiocruz Ceará; Sueli Paz, da Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado do Ceará (FETRAECE); Marcos Jacinto, da coordenação do Fórum Cearense pela Vida no Semiárido (FCVSA); Pedro Neto, da coordenação estadual do Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST); e Alessandro Nunes, da Cáritas Regional Ceará.

Viviane Gomes, da SEMA, fez a fala inicial sobre a minuta e apresentou alguns pontos que o governo do Estado compreende como avanços em relação à lei de 1993. A técnica deu destaque à ação integrada entre os órgãos estaduais para a fiscalização (o que já vem sendo adotado) e o licenciamento ambiental para os estabelecimentos de comercialização dos agrotóxicos (algo já previsto na legislação ambiental).

Jacqueline Faustino, pelo CAOMACE, apresentou, logo em seguida, todos os tópicos discutidos e aprovados em reuniões do FCCA e ausentes no texto do projeto de lei criado pelo governo do Estado, do qual foram retiradas todas as normas sobre os domissanitários (substâncias usadas para higienização, desinfecção e desinfestação domésticas que possuem os mesmos princípios ativos dos agrotóxicos). Atualmente, não existe nenhuma legislação estadual que regule a compra, venda e aplicação destas substâncias.

Vários outros artigos considerados importantes na lei em vigência também foram retirados. A lei de 1993 garante à sociedade civil mecanismos de controle e determina que as informações sobre cadastro e fiscalização dos agrotóxicos estejam acessíveis publicamente, já o projeto de lei, questionado na audiência pública, retira estas obrigações dos comerciantes, fabricantes e empresários. Também foi suprimido o artigo que define a documentação necessária para registro dos agrotóxicos. O governo justifica que a ADAGRI o tornará legal através de portaria, medida criticada pela promotora. "Uma portaria não tem a mesma segurança de uma lei. Por que retirar da lei, se a ADAGRI precisará criar esse mesmo mecanismo?". Jacqueline expõe preocupação com a intenção, já que o ato normativo posterior à regulação pode ser questionado, passando a não ter validade.

"Imagina se o Ceará aparece nas manchetes como o Estado que retrocedeu 20 anos no controle dos agrotóxicos? É o que vai acontecer se a gente aprovar essa minuta", expôs Fernando Carneiro, da Fiocruz, sobre a gravidade da proposta. "A gente precisa de regulação e não liberação", complementou.

Nicolas Fabre cobrou que o Estado esclareça formalmente ao Fórum o motivo das alterações na construção da minuta, pedindo coerência com a defesa da transparência afirmada pelos representantes do governo estadual que estiveram presentes na audiência. Sueli Paz, Marcos Jacinto e Pedro Neto reforçaram que a agricultura familiar agroecológica é realidade e deve ser encarada como único caminho possível para a sustentabilidade e reversão do cenário de degradação decorrente do modelo adotado pelo agronegócio.  "Se a lei não for carregada de justiça social, ela não nos serve", sentenciou Pedro Neto, cobrando responsabilidade do poder executivo."

Foi o que fez também Alessandro Nunes: "Nós não estamos aqui para medir força com o setor do agronegócio, mas para dizer que não é aceitável, racional, humano criar/atualizar instrumentos jurídicos que não sejam para proteger a biodiversidade e a vida humana. É dever e responsabilidade, tanto do legislativo quando do executivo, promover o debate e acolher as demandas e anseios da população quanto à segurança e proteção no acesso e produção de alimentos e bens naturais".

Ouvir a sociedade civil

O secretário Artur Bruno defendeu durante toda a audiência que a minuta é a posição oficial do Governo do Estado, considerando o consenso ao qual chegaram os órgãos diretamente envolvidos. Ele deixou claro que qualquer alteração na proposta só é possível por decisão do governador Camilo Santana ou pela maioria da Assembleia Legislativa, onde a matéria será votada.

Os movimentos e instituições que solicitaram a audiência tiveram três pedidos negados de diálogo com o governador ao longo das discussões sobre a atualização da lei. O deputado Renato Roseno cobrou dos representantes do Estado a abertura para que Camilo Santana receba a sociedade civil, já que por diversas vezes esteve com o empresariado e acolheu suas reivindicações. Artur Bruno se comprometeu com a interlocução com o governador para garantir a audiência, além da elaboração de um documento de resposta ao FCCA sobre os pontos da minuta e do compromisso de levar o debate para outros municípios do Estado.

Articulação contra os agrotóxicos

O FCVSA - a Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA) no Ceará - e o mandato É Tempo de Resistência, do deputado estadual Renato Roseno, junto com Núcleo Tramas/UFC, Movimento 21 e Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), realizaram entre os dias 28 de junho e 07 de julho uma campanha virtual sobre os retrocessos da nova proposta. Os pontos da minuta do governo foram comparados à lei atual e às sugestões aprovadas no FCCA que não foram consideradas pelo governo, oferecendo à população um canal de informação sobre cada tópico e o que implicam para a saúde da população e do meio ambiente.

A discussão sobre a lei foi levada pela articulação para oito microrregiões do Ceará onde o FCVSA atua, afim de garantir que o debate chegasse à população antes de ser aprovada. A articulação também criou uma petição para que a sociedade cearense possa se manifestar contra a proposta e exigir uma lei que avance na proteção da saúde, da natureza e da vida.

Assine a petição