Educação Contextualizada
18.07.2017 PB
“Fechar escola é crime!”
Em entrevista ao Caatinga, professora da UFPB alerta para as consequências do processo de fechamento das escolas do campo.

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Por Kátia Rejane - Comunicação Caatinga

Albertina de Brito (à direita) participou de mesa em encontro da ASA | Foto: Verônica Pragana / Arquivo Asacom

Foi realizado no município de Areia (PB), entre os dias 11 e 13 de julho, a Oficina de Formação dos Monitores e Monitoras Pedagógicos/as do Programa Cisternas nas Escolas, realizada pela Articulação Semiárido Brasileiro (ASA). A professora Albertina Maria de Brito, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), campus Bananeiras, e que integra a Rede de Educação do Semiárido Brasileiro (Resab) participou contribuindo em uma das mesas do encontro. Em entrevista ao Caatinga, Albertina Brito fala sobre a importância de uma educação para a convivência com o Semiárido e alerta para as consequências do processo de fechamento das escolas do campo.

Caatinga – Como você avalia o papel da academia no processo de construção e fortalecimento da convivência com o Semiárido?

Albertina Maria de Brito – A academia tem um papel fundamental de democratização do conhecimento, democratização do saber, de sistematização na tentativa de aprimoramento de processos históricos, culturais dos povos do Semiárido. Para isso, a academia precisa primeiro se descobrir também nesse contexto. É preciso ela reconhecer que tem um papel. Já existem vários sujeitos na academia que tem esse empoderamento do reconhecimento do Semiárido, mas é preciso a gente avançar no sentido de se reconhecer como sujeitos históricos num contexto que teve processos de escolarização negligenciados, no direito a ter acesso. E é preciso a gente ir entendendo isso, dar as colaborações, que de fato vão influenciar o que a gente defende quando se trata de educação como direito, de propiciar a emancipação desses sujeitos, de propiciar a liberdade, no sentido de liberdade de ação, de atuação. O conhecimento e o reconhecimento com valorização dos seus processos históricos e culturais. E aí a academia tem um papel fundamental no que diz respeito em como ela fomenta suas pesquisas.

Caatinga – E a participação de outros atores, outras organizações nesse processo de educação, como você avalia isso?

Albertina – São sujeitos que são fundantes desse processo. Fundantes no sentido de existência histórica desse contexto, e sujeitos que tem conhecimentos, que tem saberes históricos que precisam ser também partilhados. E um dos espaços da partilha desses processos é por meio da escolarização. É por meio dos processos de uma academia que luta e enxerga esses sujeitos como conhecedores, sabedores, detentores de saberes históricos, necessários a nossa existência como um todo. Tais como a soberania alimentar, a escolarização enquanto direito no sentido e significado pra vida dos sujeitos. A gente tem inúmeras comunidades tradicionais, com pessoas que fazem esses processos, porém não têm a visibilidade necessária para que esses processos tomem a devida amplitude que devem tomar, no sentido da dimensão do Semiárido mais povoado do mundo que é o nosso.

Caatinga – Nesse território, vocês fizeram uma pesquisa sobre o processo de fechamento de escolas. Queria que você contasse para a gente um pouco de como vocês enxergam esse processo que acontece no Brasil todo de fechar escolas do campo. É de fato necessário fazer esse fechamento ou tem outras vias?

Albertina – Tem várias outras vias. Primeiro a gente entende que fechar escola é crime! Existe uma bandeira de luta, como iniciativa dos movimentos sociais, principalmente o MST [Movimento dos Trabalhadores Sem Terra]. E fechar escola é um crime porque fere o direito a ter acesso a uma educação escolarizada com toda a carga de conhecimento histórico do contexto que o sujeito está inserido. Na hora que você fecha, você tira essa possibilidade, você nega que o sujeito tem acesso a conhecimentos universais, conhecimentos que são parte do patrimônio histórico da humanidade. Com todas as contradições que a escola tem, você tira todas as possibilidades de existência, de construção de conhecimento desses sujeitos nesse contexto. E a nossa luta é pelo direito a ter acesso à educação, só que não é qualquer educação. E a educação que a gente defende é aquela que bebe nos princípios da educação para a convivência com o Semiárido, nos princípios da educação popular, nos princípios da educação do campo. É a educação que bebe nos princípios do acúmulo da sociedade civil organizada e que tem demonstrado por várias vias, por vários caminhos, como a gente pode protagonizar esses processos. Então, a gente defende essa educação também dentro da escola.

A gente fala educação num sentido amplo, educação dentro e fora da escola. Entender esse processo de fechamento por meio de uma pesquisa foi uma iniciativa da Rede de Educação do Campo da Borborema. A rede é constituída por pessoas e instituições do Território Agroecológico da Borborema, que é mobilizado pelo Polo Sindical da Borborema, que é uma organização de sindicatos locais que tem todo um processo e ações educativas nesse contexto. A rede se constitui de sujeitos, universidades, assessores técnicos da AS-PTA, do Polo, da UFPB campus Bananeiras, representantes de secretarias de educação. E a rede se articula desde 2006/2007, como iniciativa no reconhecimento das práticas em educação do campo no nosso território, e de reconhecimento da necessidade de valorização dessas práticas.

E um dos encaminhamentos nossos foi, primeiro, mapear essas realidades em termos de educação do campo. Depois, mais ou menos em 2009/2010, quando ficou mais forte o processo de fechamento, a gente viu como uma necessidade fundamental de entender isso, e aí foi quando veio a história de fazer uma pesquisa, feita a várias mãos de entendimento de como está esse processo. Só que pensamos a pesquisa não para quantificar, mas para entender o impacto desses processos na vida dos camponeses. É daí que vem os relatos, que são chocantes, de pessoas que não tem mais acesso a essa escola no seu contexto. É o seu direito negado nesse processo de reordenamento escolar. Na tentativa de entender isso, a gente selecionou quatro municípios: Solânea, Remígio, Areia e Massaranduba. Desses quatro, como somos poucos e a gente não teve como dar conta de tudo, a gente trabalhou especificamente dois: Solânea e Remígio e mais especificamente Solânea, que foi o município que a gente chegou a fazer a devolução do resultado dessa pesquisa com os sujeitos que participaram das narrativas. A gente não chegou a publicar, mas nós temos elementos para discutir por que não fechar, por que fechar é crime, por que que existem outras vias para o não fechamento. Temos elementos para fazer isso e a gente está tentando pautar por onde a gente passa, com base nesses elementos, nesses resultados. Não existe só essa pesquisa, já existem outros estudos mais quantitativos sobre os fechamentos, inclusive no contexto do Semiárido. Enquanto Rede de Educação do Polo da Borborema, temos assento no Comitê Estadual de Educação do Campo e lá a gente já está pautando a necessidade de entender e trazer a tona esse processo do fechamento no estado como um todo.

Caatinga – No contexto político em que vivemos de golpe, como as atuais medidas do governo estão impactando a educação contextualizada para a convivência com o Semiárido?

Albertina – Foram cortes significativos no que diz respeito ao investimento em uma educação, que não é nem a educação que a gente espera, é importante ressaltar isso. Mas houve cortes e a tentativa de imposição, por exemplo, da escola da mordaça. Que é uma proposta que vem com uma escola sem partido, mas totalmente partidária a um modelo de desenvolvimento econômico que desconstrói todo processo que a gente vem construindo de maneira lenta, de maneira desafiante por conta das condições que temos para construir, que não são muitas. Mas somos muito resistentes no Semiárido... e vem uma proposta como essa do governo para quebrar todo esse processo, por exemplo, a Reforma do Ensino Médio, uma proposta no sentido de formação de mão de obra. Não é nenhuma formação voltada para pensar a vida, para pensar a existência da vida no lugar que se tem. É uma formação voltada para a profissionalização do sujeito para desqualificação do trabalho e venda da mão de obra barata. Então, há uma série de ataques na educação como um todo, e é justamente porque a gente estava conseguindo ter um pouco de avanço, no que diz respeito a maneira de pensar, de se enxergar e de ser. Então, o desmonte principal é o ataque à educação.