ASA
02.08.2017 PB
9ª Festa da Agricultura Familiar exalta capacidade do povo do Cariri de construir conhecimento para a convivência com o Semiárido

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Com o objetivo de valorizar e incentivar a permanência do agricultor e da agricultora familiar no campo com qualidade de vida, como também enfatizar a sua importância na garantia da segurança alimentar e nutricional, o Coletivo ASA Cariri Oriental (Casaco), em parceria com a Associação de Lideranças e Organizações de Agricultores e Agricultoras Familiares do Cariri Paraibano, realizou, nos dias 28 e 29 de julho de 2017, no município de Caraúbas-PB, a 9ª Festa da Agricultura Familiar no Território do Cariri Oriental.

O evento mobilizou cerca de 200 agricultores e agricultoras, assessores técnicos, órgãos governamentais e não governamentais, e membros de fóruns e redes que atuam no território. O Casaco é uma das 300 organizações que fazem parte da Articulação do Semiárido Paraibano (ASA Paraíba), que se articulam em torno da promoção da agricultura familiar agroecológica no estado.

Esta edição da festa teve como tema: “O conhecimento que mina sabedoria das pedras”. A programação teve início com uma mística de abertura que exaltou a capacidade da população do território de superar as adversidades climáticas e seguir vivendo na agricultura.

Cada representação dos municípios de São Domingos do Cariri, Alcantil, Caturité, Barra de São Miguel, Riacho de Santo Antônio, Cabaceiras, Caraúbas e Boqueirão trouxeram uma porção de alimentos da agricultura familiar para compor um "Banquete da Vida". Após a apresentação dos participantes, convidados, entidades parceiras e apoiadores presentes puderam saborear as delícias produzidas pelas mãos de agricultores e agricultoras familiares do Cariri Paraibano.

Glória Batista Araújo, da coordenação nacional e estadual da ASA Brasil e também coordenadora da ONG Patac, foi a convidada para falar sobre o tema: “Convivência com o Semiárido no Cariri Paraibano”. Glória fez uma contextualização da região, citando suas principais características históricas, políticas e culturais. “Essa foi uma região muito marcada pela concentração de terra, desigualdade social e onde se falava de ‘combate à seca’. As políticas públicas não chegavam, mas as pessoas nem eram consideradas agricultoras, era 'pequeno produtor' ou um 'jeca tatu'. Mas o povo passou a se organizar e a lançar um novo olhar sobre o seu local, como um lugar para se viver com dignidade. O tema dessa festa diz muito sobre vocês, cujo conhecimento mina das pedras, da terra, dos facheiros e a gente pode afirmar: é possível viver no Cariri, sim”, disse.

Em seguida, Glória fez um apanhado das experiências e estratégias de convivência que permitiram às famílias agricultoras transformarem a realidade onde vivem, a exemplo dos estoques de sementes, alimentos, forragem e água, as trocas de experiências. Todas juntas, segundo ela, demonstram que os agricultores e agricultoras são capazes de criar suas próprias soluções e de aprender com o meio ambiente, estabelecendo uma relação de respeito.

Após a fala, houve uma rodada de debate na qual agricultores puderam se colocar, como seu José Rivanildo, do Sítio Cavaco, município de Boqueirão-PB: “Eu me considero um ‘pescador de conhecimento’. Esse é meu grande objetivo, pois o conhecimento é a única coisa que ninguém tira da gente”. Já para a agricultora Maria Gomes, do Sítio Tatu, também em Boqueirão, a chegada do reservatório de água foi a oportunidade que faltava para a produção do seu próprio alimento: “Quando fui contemplada com a cisterna, não sabia fazer as coisas, a gente só era acostumada a prender e a soltar cabra. Mas eu tinha aquela vontade de comer a minha comida saudável, que hoje eu já não compro. Estou maravilhada, aprendi muito e continuo aprendendo.

Encerrando a programação da manhã, Célia Araújo, agricultora e integrante do Casaco, convidou os presentes para que ajudassem a analisar um grande painel de pano pintado que representava a paisagem de antigamente, árida, desmatada, com poucas infraestruturas e aos poucos fossem colando nesse painel o vasto conjunto de experiências e implementações que fazem parte da vida das famílias camponesas, como cisternas, dessalinizadores, diversidade de criações animais, hortas, entre outros. Célia destacou dois dos principais pontos chaves da agroecologia, a produção diversificada e a estocagem de alimento e água, como fundamentais para o projeto de convivência que a festa se propõe a celebrar.

A visita de campo é um momento rico de troca de conhecimentos entre os/as agricultores/as | Foto: Divulgação

O período da tarde foi dedicado a três visitas de intercâmbio paralelas. Os participantes da festa se dividiram entre os que foram conhecer a experiência do agricultor Júnior Galvão, na Estância Galvão, de criação animal e produção no arredor de casa, no Sítio Cachoeirinha, os que visitaram a propriedade de Josefa e José Carlos de produção no arredor de casa e comercialização, e os que foram conhecer a experiência do casal Reginaldo e Rosinete, no sítio Luiz Gomes, de tecnologias de armazenamento e de reuso de água e com sementes crioulas. À noite, aconteceu um momento de confraternização com a realização de um Arraiá da Agricultura Familiar, ao som do tradicional ‘forró pé-de-serra’.

O segundo dia de programação foi iniciado com a montagem da V Feira Agroecológica, com exposição e comercialização de produtos e experiências de agricultores e agricultoras do território, além de uma amostra de animais raças nativas, aves e caprinos. A feira atraiu um grande público ao Centro da cidade. Dona Maria Rita das Neves de Oliveira, veio do Sítio Ponta de Serra para comprar algumas frutas e hortaliças na feira. Segundo ela, ficou sabendo da atividade através de um irmão que participa da dinâmica do Casaco. “Estou com 70 anos bem vividos, infelizmente, por problemas de saúde, não produzo mais tanta coisa, mas acho importante a gente ir atrás do alimento saudável”.

No meio da manhã, aconteceu ainda, com concentração na sede da Secretaria Municipal de Agricultura de Caraúbas, a V Caminhada Agroecológica. Os participantes da festa percorreram as ruas centrais com cartazes, faixas e estandartes com mensagens de defesa da agricultura familiar de base agroecológica. Em uma estrutura de auditório montada ao lado da feira, o trio de forró pé-de-serra “Forró da Moda” fez a animação de quem ficou no espaço da feira. O grupo de dança “Convivência e Fortalecimento” formado por crianças das comunidades Angiquinho e Barreiras, fez uma apresentação após a chegada da caminhada.

O grupo teatral formado do pelo GT de Juventude do Casaco e do Núcleo de Extensão Rural em Agroecologia da Universidade Estadual da Paraíba, apresentou a peça “O Equilíbrio entre o Humano e a Natureza” que mostrou como a saúde do meio ambiente está ameaçada pelas grandes corporações do agronegócio, apoiadas por setores mídia e de governos, e que é tarefa dos trabalhadores do campo reagir e buscar cada vez mais a união.

Um conjunto de parceiros e apoiadores da festa fez falas de apoio e reconhecimento ao trabalho desenvolvido na região. Uma delas foi Aparecida Firmino, do GT de Mulheres da ASA Paraíba e do Centro de Organização Popular (Ceop), de Picuí, no Curimataú Paraibano, que destacou a importância do apoio do governo à agricultura familiar e o papel das agricultoras: “Gostaria de reafirmar a importância das políticas públicas de convivência com o Semiárido e o papel dessas mulheres que criam, reinventam e fazem, na prática, essa agricultura que tem permitido a tantas famílias permanecer no campo com dignidade”, disse.

O representante do Instituto Nacional do Semiárido (INSA), em um ato simbólico, entregou um documento ao Casaco, que registra o repasse de um quantitativo de cabeças de gado da raça Curralinho ou ‘Pé Duro’, animal adaptado, para a multiplicação na região.

O evento foi encerrado com um almoço, um leilão de produtos da agricultura familiar e a realização de um bingo, tudo ao som de muito forró. Esta edição da festa contou com os apoios do Governo Federal, do Banco do Nordeste, do Sebrae e da Coordenadoria Ecumênica de Serviço (Cese), além das parcerias do NERA, ASA PB, Centro de Ação Cultural (Centrac), Patac, Procase, INSA, AS-PTA, Universidade Federal da Paraíba/Núcleo Bananeiras, STR de Caraúbas, Projeto Oito Verde, Ecoborborema, Comissão Municipal de Caraúbas, Prefeitura de Carúbas, Prefeituras Municipais de Boqueirão, Caturité, Barra de São Miguel, Cabaceiras, Alcantil e Riacho de Santo Antônio.