Juventude
16.08.2017 PB
Jovens do Polo da Borborema (PB) reafirmam compromisso com a luta política

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Os Encontrões são espaços de articulação política e formação organizados pela Comissão de Jovens do Polo da Borborema | Foto: Arquivo ASPTA

João Pedro Teixeira, Elizabeth Teixeira, Margarida Maria Alves, Penha Nascimento, Celestino Pereira: presente, presente, presente! Foi com uma mística lembrando o legado dos sindicalistas rurais que fizeram a luta política na região que teve início o III Encontrão da Juventude Camponesa do Polo da Borborema, realizado nos dias 11, 12 e 13 de agosto de 2017, em Campina Grande-PB. Os encontrões são espaços de articulação política e formação organizados pela Comissão de Jovens do Polo da Borborema, uma articulação de 14 sindicatos de trabalhadores rurais da região da Borborema na Paraíba, que atua há mais de 20 anos pelo fortalecimento da agricultura familiar de base agroecológica com a assessoria da AS-PTA.

O evento teve início na tarde do dia 12, com a plenária “A luta dos movimentos sociais”, que teve como debatedores o professor Mário Henrique Ladosky, da Unidade de Ciências Sociais da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) e o sindicalista Nelson Anacleto, liderança do município de Lagoa Seca e da Coordenação do Polo da Borborema.

Em sua fala, Mário lembrou o contexto histórico e político que deu origem aos sindicatos, no século 19, quando o capitalismo está se estabelecendo, no mundo pós-guerra. O professor falou sobre o surgimento da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) no governo do presidente Getúlio Vargas, que ainda não incluía o trabalhador do campo, devido ao poderio do latifúndio. “É preciso ter em mente que a legislação sindical foi criada para ‘amarrar’ o sindicato, na sua capacidade de mobilização e articulação dos trabalhadores em suas lutas para promover a conciliação entre os interesses dos trabalhadores e dos patrões, visando uma pretensa harmonia do corpo social. Quando a gente sabe que estes interesses na maioria das vezes são inconciliáveis em um sistema capitalista, pois o patrão vai sempre buscar uma forma de pagar menos pelo trabalho do assalariado, para acumular lucro”.

Nelson Anacleto fez uma retrospectiva do processo de criação dos sindicatos na região, e do grupo que mais tarde originaria o Polo da Borborema. Ele destacou o papel dos grupos de jovens na formação de uma oposição sindical que exigia a renovação da mentalidade e da postura dos dirigentes sindicais, com forte inspiração nas Ligas Camponesas. Nelson foi integrante da JULGRA – Juventude Unida do sítio Lagoa do Gravatá, que lutou pelo espaço da juventude em sindicatos e associações, com apoio da igreja católica progressista.

O exemplo de seu Celestino Pereira, falecido em 2013, pai de Nelson e liderança do sindicato de Lagoa Seca perseguida pela Ditadura Militar, foi seguido por Nelson e outros jovens que continuam até hoje na luta política da região. “A gente começou a entender que, por exemplo, o sindicato de Massaranduba ficando só lá no seu município, não teria muita força. Então precisamos entender o Polo como esse sindicato maior, que é a extensão do nosso próprio sindicato. Precisamos somar forças e a garra da juventude é que vai fazer termos cada vez mais um sindicato forte. Muitos dizem que com estas reformas que estão vindo aí, o sindicato vai acabar. Eu digo que o sindicato só vai acabar se a juventude deixar, e isso eu sei que não vai acontecer. Porque quando os sindicatos surgiram, não tinha aposentadoria, essa foi uma das nossas lutas inclusive”.

A noite do primeiro dia foi dedicada à realização de quatro oficinas culturais: Cordel e Xilogravura; Musicalidade; Teatro e Dança Regional. Já no início do segundo dia de encontro, foram lembradas datas marcantes como o Dia Internacional da Juventude e o aniversário de morte de Margarida Maria Alves, assassinada em 12 de agosto de 1983, por latifundiários da região de Alagoa Grande. Uma bonita ciranda se formou e cantou: “Margarida, Margarida ê, sua vida corajosa nos ensinou a viver!”.

Intercâmbios nas propriedades das famílias agricultoras da região | Foto: Arquivo ASPTA

A manhã inteira e uma parte da tarde foram realizadas cinco oficinas técnicas paralelas: 1) Sanidade de Pequenas Criações; 2) Beneficiamento do Cuscuz e Empacotamento de sementes da paixão; 3) Compostagem e Produção de Caldas; 4) Produção de mudas e enxertia; 5) Reuso da água servida. Erivan Farias, 27 anos, do Sítio Floriano, Lagoa Seca, facilitou a oficina de compostagem, ele falou sobre a importância e os benefícios da técnica: “A compostagem é uma adubação natural que aproveita a matéria orgânica que o agricultor já tem disponível na sua propriedade reduzindo o lixo orgânico e os custos com a adubação, a fermentação do composto ainda diminui o surgimento de ervas espontâneas e indesejáveis”, disse.

Na oficina de enxertia e produção de mudas, os jovens aprenderam sobre a técnica do enraizamento e a da estaquia com o uso de garrafas pet. O momento prático sobre beneficiamento do cuscuz e empacotamento de sementes crioulas tratou desde a seleção das sementes até a preparação do cuscuz livre de transgênicos, os participantes assistiram ao vídeo da Campanha “Não planto transgênicos para não apagar a minha história” da AS-PTA em parceria com o Polo, que traz os cuidados necessários para evitar a contaminação das sementes por transgênicos, além de esclarecer sobre o tema.

A oficina sobre o reuso de água, trouxe uma maquete de um sistema simplificado, com filtros construídos em camadas com pedras, areia e brita, para a filtragem da água que vem da pia e do chuveiro das casas, que após filtragem podem ser reutilizadas no plantio de plantas forrageiras, alguns tipos de hortas e pomares. “Em cada canto onde sai a água da pia da cozinha e do banheiro meu pai sempre planta alguma coisa eu vejo que estes locais estão sempre verdes. Quando eu voltar pra casa, vou colocar em prática com a minha família o que aprendi aqui, pois é uma forma de aproveitar ainda mais essa água”, disse Edson Jhony Galdino da Silva, do Sítio Umbu, em Esperança-PB.

A oficina de sanidade de pequenas criações contou com a parceria do Curso de Medicina Veterinária e Zootecnia do Departamento de Ciências Veterinárias do Campus II, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) em Areia. Estudantes e a professora Sara Vilar Dantas Simões participaram da oficina que tratou sobre as verminoses, formas de contaminação e seu tratamento em cabras, ovelhas e galinhas de capoeira.

No final da tarde, após a repetição das oficinas da manhã para dar a oportunidade de um jovem participar de duas oficinas, a plenária se reuniu novamente para debater sobre gênero, diversidade e sexualidade. “Ninguém merece ser discriminado por sua orientação sexual. A gente tem que começar a tratar os outros como gostaríamos de ser tratados. Não somos mercadoria para termos rótulos, o respeito tem que prevalecer e a gente combate o preconceito com informação”, afirmou Sidinéia Camilo, jovem do município de Remígio e da organização do encontrão, ao abrir o debate.

Os facilitadores deste momento foram os convidados Victor Pelato, gerente operacional de enfrentamento à homofobia e Leandra Cardoso, gerente operacional de políticas intersetoriais, ambos da Secretaria de Estado da Mulher e da Diversidade Humana da Paraíba. Participaram ainda do debate Melissa Kathleen, mulher transexual e Lucas Bernardi, homem transexual, que puderam conversar com os jovens sobre suas experiências de vida.

Victor explicou as diferenças entre as denominações identidade de gênero, expressão de gênero, sexo biológico e orientação sexual, além de tirar dúvidas e esclarecer sobre cada uma delas. Ele também falou sobre a lei estadual que garante o espaço para o nome social nas cadernetas escolares, ato que, segundo ele, tem contribuído para evitar a evasão escolar de pessoas transexuais. Em seguida, Leandra Cardoso apresentou e mostrou os preservativos masculino e feminino, tirando dúvidas dos jovens. No final do segundo dia, houve uma feira para a socialização das oficinas culturais da noite anterior e uma noite de integração entre os participantes, com um jantar cultural, ao som de um ‘arrastapé’

O terceiro e último dia de encontro começou bem cedo com torneios de futebol e de baleada. Após o café da manhã, os jovens homenagearam em plenária a artista paraibana conhecida como Zabé da loca, uma das poucas mulheres a tocar pífano profissionalmente. Zabé faleceu aos 93 anos, na zona rural de Monteiro-PB, onde morou a maior parte de sua vida, deixando um legado para a música nordestina. Dando continuidade ao último dia de programação, os jovens apresentaram e distribuíram material de divulgação sobre a 5ª Feira Agroecológica e Cultural da Juventude do Polo da Borborema, que acontecerá no dia 25 de agosto, em Queimadas-PB. “A feira é um modo que a gente do campo encontrou para mostrar para a sociedade o nosso trabalho, mostrar que a juventude está no campo, está produzindo e tudo que ela precisa é de uma oportunidade”, disse Adailma Ezequiel, do Sítio Lutador, em Queimadas.

O encontrão promoveu um intercâmbio com a participação de três jovens representantes da Rede Carioca de Agricultura Urbana, que tiveram espaço para falar sobre o seu trabalho no Rio de Janeiro e sobre as suas impressões do encontrão. João Vitor Caetano, 17 anos, de Guaratiba, na zona oeste do Rio, foi um deles: “É muito legal ver essa juventude daqui, tantos depoimentos, tantas histórias. A juventude do Rio de Janeiro está sendo assassinada. O plano diretor da cidade não reconhece a agricultura urbana. É muito difícil viver em um lugar onde o estado afirma que a gente não existe. A nossa luta lá é justamente por esse reconhecimento da agricultura que nós fazemos”, disse. Participaram ainda do encontrão jovens do da Universidade Federal da Paraíba.

Entrega de muda de Sabiá entre jovens de Remígio, que sediou a I Marcha da Juventude, e de Massaranduba, palco da II Marcha no ano que vem | Foto: Arquivo ASPTA

Dando continuidade aos encaminhamentos do encontro, Mônica Lourenço, jovem do assentamento Caiana, município de Massaranduba, socializou informações sobre o curso de incidência política para jovens promovido pela parceria entre a CESE e a terra dos homens da Suíça, do qual ela e outros jovens participaram representando o Polo da Borborema. Um desdobramento do curso será a realização de um diagnóstico sobre as Declarações de Aptidão ao Pronaf (DAP) dos jovens no território da Borborema, que vai balizar a ação sindical na luta por políticas públicas nessa área.

Finalizando o encontrão, após a entrega das medalhas aos times vencedores do torneio e dos certificados de participação nas oficinas, os jovens realizaram uma caminhada na parte externa de onde o evento estava acontecendo e abriram o processo preparatório rumo a II Marcha da Juventude Camponesa e rumo ao VI Encontro Nacional de Agroecologia (ENA), ambos vão acontecer em 2018, a marcha no município de Massaranduba e o ENA em Belo Horizonte-MG. Simbolicamente, uma jovem do município de Remígio, onde aconteceu a I Marcha, entregou uma muda de sabiá para dois jovens do município de Massaranduba. A muda foi plantada no local do evento. O encontrão e o trabalho com a juventude do Polo da Borborema conta com o apoio das organizações da cooperação internacional Action Aid e terre des hommez schweiz.