Semiárido Legal
18.08.2017
Nova delimitação oficial do Semiárido pode excluir milhares de famílias das políticas voltadas para o campo

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Por Hugo de Lima - Asacom

Mapa pluviométrico do Semiárido Brasileiro. | Fonte: Embrapa

Milhares de nordestinos e nordestinas podem deixar de acessar políticas públicas de fortalecimento da Agricultura Familiar, principalmente para crédito rural e produção de alimentos, por não terem entrado na nova delimitação legal do Semiárido brasileiro, definida em uma proposta de um grupo de trabalho encabeçado pelo Ministério da Integração Nacional por meio do Conselho Deliberativo (Condel) da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), no final de julho. Isso exclui, por exemplo, famílias agricultoras de poderem gerar renda através do acesso à linha exclusiva para o Semiárido do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) nos municípios que, apesar de estar dentro dos critérios, não foram selecionados.

A proposta da nova delimitação ainda chegou a debater a exclusão de 105 municípios em sete estados da região, segundo o governo do estado de Minas Gerais. Embora o Ministério da Integração Nacional não tenha confirmado essa informação, só no território mineiro seriam 50 municípios (dos 85 atuais) que deixariam de ser atendidos pelas políticas públicas de acesso à água específicas para o Semiárido, o que não ocorreu devido à pressão política dos governos estaduais.

Para Leninha Alves, da coordenação executiva da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) pelo estado de Minas Gerais, “a vontade política é o que tem mais peso. Por exemplo, nós já fizemos relatórios técnicos comprovando que o índice pluviométrico de um município era o mesmo do outro; a vegetação era a mesma, o período das chuvas era o mesmo, era idêntico, e mesmo assim um município foi incluído e o outro não. E para a retirada é do mesmo jeito, então é preciso ficar atento para não acontecer exclusões. É preciso mobilizar.”

Reunião do Condel, no final de julho, incluiu 54 novos municípios ao perímetro legal do Semiárido brasileiro. | Foto: Tarsio Alves / Divulgação

Também não foi desta vez que áreas semiáridas do Maranhão, já reconhecidas por organizações da sociedade civil como a ASA, entraram na delimitação do governo. Único estado do Nordeste a não fazer parte do limite legal, o Maranhão possui ao menos 45 municípios que atendem aos critérios da Sudene: precipitação pluviométrica de média anual inferior a 800mm; índice de aridez de até 0,5; e risco de seca maior que 60%. “O rio Parnaíba nos une, o Piauí e o Maranhão. O que está numa margem é o mesmo que está na outra margem. Se lá é Semiárido, aqui também é”, pondera Juvenal Neres, da coordenação executiva da ASA pelo estado do Maranhão.

Para ele, essa situação também se deve a questões estritamente políticas. “Já existem vários estudos de impacto que falam da aridez e da semiaridez desses municípios. Existe um plano estadual que trata da seca e o Maranhão também está no Plano Nacional de Combate à Desertificação. Então é uma questão política. O leste do Maranhão está esquecido; não está enquadrado nem como uma região nem como outra. Não temos, com isso, um aparato legal para acessar às políticas de convivência, inclusive para o que é específico do nosso estado. Esses municípios, que estão no baixo Parnaíba, ficam à parte da geografia do Maranhão no tocante às políticas públicas. Com isso, ficamos isolados”, ratifica.

Denílson Bezerra, que é professor do Programa de Mestrado de Meio Ambiente da Universidade Ceuma, no Maranhão, acredita firmemente que é por falta de vontade política que o Maranhão não é avaliado como Semiárido. “A localização do Maranhão está situada entre a Amazônia e o Semiárido, tornando-o uma grande área de transição. Nós sofremos a influência dos dois lados. Mas não faltam evidências que o Maranhão tem um padrão de Semiárido e também de subúmido seco. Nós temos mais meses de chuvas que nosso vizinho Piauí, mas ainda temos seis meses de escassez de chuvas que tornam o cenário muito parecido com o que se tem em outros estados do Nordeste.” Há também, por decisão política a nível estadual, um problema relacionado à falta de estações pluviométricas capazes de conduzir um histórico de dados mais preciso na região para aferir os critérios nas 45 localidades que ficaram de fora do novo limite, uma dificuldade que só ajuda a criar “uma zona de conforto que mascara uma realidade” social ligada às estiagens. “Se faltam dados, você não precisa ir buscar soluções para aquela realidade”, completa.

No Ceará, dos 34 municípios indicados pela Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme) como dentro dos critérios para pertencer ao Semiárido, apenas 15 foram reconhecidos. Para Cristina Nascimento, da coordenação executiva da ASA pelo estado do Ceará, isso se deve à dificuldade de reconhecer situações específicas para além dos critérios atuais, como o município de Trairi, no litoral cearense, localizado a 120 km da capital Fortaleza.

“Esse município tem uma faixa litorânea e, por outro lado, possui uma região de semiaridez que faz divisa com outros municípios que estão no Semiárido legal. Quando se faz a média de chuvas do município, se considera o território todo, somando o litoral mais chuvoso com a região semiárida, o que impede o município, nos termos atuais, de ser incluído no Semiárido legal. Então aquelas famílias que moram numa região e que sofrem com a escassez de água ou que lidam com água de má qualidade, pois perfuram poços, e a água subterrânea geralmente não dá condições de consumo humano, acabam prejudicadas, pois não têm acesso às políticas públicas de convivência por causa de médias matemáticas. Nos 19 municípios que tentam reconhecimento, muitos deles há esse perfil.”

Já para os 15 novos municípios cearenses que passam a integrar o Semiárido legal, não haverá mais impedimento para acesso a programas como o Uma Terra e Duas Águas (P1+2), da ASA, voltado à produção de alimentos e geração de renda para famílias agricultoras. Para Cristina, “é importante dizer que há uma luta histórica dos agricultores e das agricultoras que vivenciam fortes estiagens em suas regiões e que até então não estavam em áreas reconhecidas como Semiárido. Nossa ação da ASA sempre envolveu esses municípios porque, a partir das histórias dessas pessoas, ali tinham todas as características de Semiárido. Vários deles fazem parte das dinâmicas da rede, inclusive com trabalhos voltados à agroecologia e às sementes [crioulas]. Várias comunidades, vários municípios insistiram nessa pauta - a de viabilizar no debate político com o governo a inclusão no Semiárido legal, para que o acesso às políticas seja ampliado”.

Delimitação final - A proposta da nova área legal altera a Portaria Nº 89 do Ministério da Integração, de 16 de março de 2005, e inclui 54 municípios de três estados: Piauí, Ceará e Bahia. São 36 novos municípios que integram o Semiárido piauiense, 15 no Ceará e 3 na região semiárida baiana. Ainda é possível que essa lista inclua novos municípios, dependendo dos questionamentos enviados pelos estados até a publicação da resolução final, que será aplicada ainda em 2017. O Condel retirou da proposta uma nova revisão que seria realizada em 2021.

Com população estimada em cerca de 25 milhões de pessoas, juntos, os 1189 municípios (atuais e novos) compreendem quase 1 milhão de km². A maior parte do Semiárido situa-se no Nordeste do país e também se estende pela parte setentrional de Minas Gerais (o Norte mineiro e o Vale do Jequitinhonha).