Agrobiodiversidade
01.09.2017
Rede de bancos e casas de sementes fortalece a luta da agricultura familiar no Semiárido
As sementes crioulas são fundamentais para o futuro da população do planeta por estarem mais preparadas às mudanças climáticas

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Por Verônica Pragana - Asacom

Agricultoras e agricultores do Semiárido mantêm a prática secular de guardar suas sementes | Foto: Adriana Noya
De 2015 até hoje, em cerca de 25% dos municípios do Semiárido, várias comunidades rurais passaram a ter um espaço coletivo para guardar as sementes crioulas presentes nas localidades por gerações. São cerca de 710 bancos ou casas que envolvem 14.200 famílias agricultoras em estratégias coletivas de resgate, conservação e multiplicação de um patrimônio genético extremamente diverso, rico e capaz de sustentar a soberania alimentar desta população, sem falar no potencial de germinação  destas sementes em condições climáticas semiáridas. Neste período de aquecimento da Terra, tais sementes são materiais considerados de grande importância para o futuro da alimentação da população do planeta.

“No final do ano passado - quinto ano de seca, que vai ocasionando uma erosão neste material genético – fizemos um levantamento com 12.800 famílias associadas aos bancos de sementes, que identificou mais de 500 variedades de milho, mais de 400 de feijão, arroz, não é um cultivo tão comum aqui, mais de 80”, acentua Antônio Barbosa, coordenador do Programa Sementes do Semiárido da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA).

Isso se deve ao hábito ancestral das famílias agricultoras de guardar as sementes assim como ao conhecimento desenvolvido por elas no manejo da biodiversidade há anos. Existe muita ciência por trás do plantio, seleção das sementes, conservação deste material vivo e plantio na hora certa para garantir a colheita de novas sementes, que irão perpetuar esse material genético.

“Meu pai sempre disse que a semente é o mais importante para quem trabalha com a terra”, conta Seu João José Santa Rosa, um agricultor familiar de Varzelândia, região norte de Minas Gerais, caracterizada como Semiárido. Com 65 anos, ele tem dedicado metade da sua vida a uma prática que herdou do pai: cuidar, multiplicar e guardar sementes crioulas na comunidade de Taboal. “Hoje só plantamos semente crioula. Ficamos felizes em chegar na roça e ver a semente de qualidade, crioula, pura e sem veneno. O pessoal chega aqui em casa e pergunta que milho é esse, com grãos grandes?”. A experiência de conservação das sementes de sua família está registrada no Candeeiro, boletim da ASA que sistematiza histórias de convivência com o Semiárido.

No sertão piauiense, mais precisamente, no interior do município de Valença do Piauí, a comunidade quilombola Tranqueira, fundada em 1912, conquistou seu banco comunitário de sementes em 2015, mais de 100 após a criação da comunidade. “Em 2015 começamos a recolher e depositar sementes daqui, da Tranqueira e das comunidades vizinhas. Em 2016, começamos a emprestar e, inclusive, muitas famílias já estão devolvendo os empréstimos. Eu e minha mãe fizemos um plantio extra somente para colher as sementes do empréstimo. É assim que estamos orientando as famílias para a devolução das sementes”, explica dona Leiliane de Sousa Costa, de 33 anos, no  boletim de sistematização.

“A gente tinha um sonho de ter uma casa de sementes e hoje é uma realidade”. Essa frase de seu Aureliano Soares Martins, 60 anos, um agricultor familiar agroecológico e guardião de sementes, foi perpetuada no Candeeiro. O boletim conta a história da mobilização da comunidade rural Aroeiras para conquistar o sonho coletivo. A comunidade fica no município de Quixeramobim, no Ceará. Segundo o boletim, na atividade de formação dos sócios da Casa de Sementes, que recebeu o nome Zé Noca, foram lembrados os tipos de feijão, milho, jerimum, maxixe, ervas medicinais e tantas variedades de frutas presentes na comunidade há mais de 50 anos. Esse levantamento os fez Seu Aureliano recordar das sementes nunca mais vistas na comunidade como o Milho-Branco, o Feijão-Rabo–de-Peba, o Feijão-Chifre-de-Carneiro e o Milho-Vermelho, perdidas devido aos anos de seca. “Têm sementes que ainda vamos trabalhar muito para recuperar”, atesta.

Como as cisternas que guardam água da chuva, os bancos ou casas de sementes são catalisadores de uma mobilização das comunidades rurais em torno da preservação e multiplicação do patrimônio genético que vem sendo melhorado ao longo da história da humanidade. Pensando no contexto de concentração da produção de alimentos industrializados por empresas multinacionais, o valor destes bancos de sementes é imensurável para segurança alimentar.

Diante da importância e potencial dos bancos e casas de sementes, as organizações da ASA que atuam no campo da conservação da biodiversidade e estão executando o programa Sementes do Semiárido, impulsionam a criação de uma rede de sementes que une todos os bancos da região. Segundo Emanoel Dias, da organização ASPTA, que atua no Agreste da Paraíba, esse rede maior vai fortalecer a luta da agricultura familiar para enfrentar grandes desafios, como o avanço dos transgênicos e do uso de agrotóxico e as políticas públicas inadequadas para proteger o patrimônio das famílias. “A rede tem por base as articulações nos estados”, explica ele.

Emanoel conta que, após o programa Sementes do Semiárido, alguns estados que não tinham rede de sementes, começaram a desenvolver ações que promovem o encontro dos guardiões e guardiães de sementes crioulas. Se encontrando, um se reconhece no outro e o trabalho de selecionar, estocar e plantar as sementes da família passa a ser valorizado como nunca tinha sido.

“É lógico que neste contexto político estamos perdendo um pouco desta capacidade de articulação e mobilização”, diz Emanoel fazendo referência à diminuição da ação do Pprograma Sementes do Semiárido, que começou a atuar com 640 bancos e hoje finaliza uma etapa de implementação e melhoria de 72 casas, sem nenhuma garantia de que esta ação terá continuidade a partir de repasses de recursos públicos.

Cartaz da Campanha
Campanha – Para fortalecer a rede Sementes do Semiárido, a ASA criou materiais informativos e de divulgação da articulação. São cartazes e adesivos que devem chegar em todos os bancos de sementes da região. O cartaz traz orientações sobre a gestão dos bancos/casas de sementes e formas de armazenamento. Já os adesivos trazem frases inspiradas nas histórias dos agricultores e agricultoras sistematizadas no boletim o Candeeiro. Nos adesivos, os nomes que as sementes crioulas ganham em cada estado foram reforçados para criar justamente essa identidade de rede estadual e da região semiárida, que faz parte de uma mobilização mais ampla.

A campanha inclui também dois produtos de áudio que falam sobre os transgênicos para serem disseminados nas rádios locais.

Programa sobre transgênicos:  http://goo.gl/i49jSm

Rádioteatro “Sementes Crioulas x Transgênicos”: http://goo.gl/QnqeG9