P1MC
08.09.2017
“Precisamos denunciar a redução de um dos programas mais importantes do Brasil que é o P1MC”

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Por Gleiceani Nogueira - ASACom

Ação de cistenas é reconhecida como umas das mais relevantes no combate à desertificação

Na próxima segunda-feira (11), durante a 13º Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas, em Ordos, na China, a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) receberá o prêmio Política para o Futuro 2017 em reconhecimento ao trabalho que desenvolve no Semiárido. O Programa Cisternas, que surgiu no seio da sociedade civil, foi considerada a segunda melhor política pública do mundo no combate à desertificação. Apesar da importância dessa ação para a segurança alimentar de milhões de famílias que vivem na região, o programa vem sofrendo cortes no orçamento público e não há perspectiva de novos contratos. A mesma lógica ocorre com outros programas sociais que devem reduzir ainda mais sua atuação em 2018. O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) deve ter seu orçamento reduzido em mais de 99% no ano que vem. Somado a isso, ocorre um crescente avanço de exploração de terras brasileiras e seus recursos naturais como o caso envolvendo a Reserva Nacional do Cobre e Associados, situada na floresta amazônica.

Para comentar esses assuntos referentes à conjuntura, a Assessoria de Comunicação da ASA entrevistou a coordenadora da ASA pelo estado do Ceará, Cristina Nascimento, que representa a Articulação no Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (Condraf). Confira:

ASACom – O Grito dos Excluídos 2017 tem como lema “por direito e democracia, a luta é todo dia!”. Qual o significado dessa mobilização na atual conjuntura brasileira?

Cristina Nascimento – O Grito dos Excluídos é historicamente um momento de reafirmar a luta por direitos e, nesse momento de retrocessos, o grande chamado é que nós precisamos estar nas ruas, expressar nossa insatisfação e precisamos gritar contra todo o retrocesso. É um momento de chamar o país, de se chamar também porque nós estamos falando, mas não estamos indo às ruas e esse é um momento que não podemos mais ficar calados e parados. O Grito dos Excluídos sempre clama a sociedade por justiça e neste momento todos nós, independente de onde estamos e que seguimento fazemos parte, é um momento de se perceber como classe trabalhadora e reforçar a luta que os movimentos sociais e os movimentos populares historicamente têm pautado que é a defesa dos direitos, a defesa por moradia, salário, emprego. E a gente viu que, nos últimos 16 anos, tivemos a luta para ampliar direitos e agora esse é um momento histórico porque estamos vendo cada vez mais diminuir ou acabar ganhos que ainda nem tinham se constituído como direitos efetivamente, mas eram ganhos sociais no sentido da melhoria da qualidade de vida, eram benefícios sociais importantíssimos para a qualidade de vida das populações, principalmente, as já excluídas. Então esse é um momento da gente dizer que a pobreza tende a aumentar e nós precisamos recolocar essa camada no orçamento do governo federal senão teremos a tendência muito maior ao agravamento dos conflitos e contrastes sociais no nosso país.

ASACom - Falando em orçamento, a proposta orçamentária para 2018 confirma esse desmonte principalmente na área social e voltada para o desenvolvimento rural. O PAA vai sair de um orçamento de R$ 318 milhões em 2017 para R$ 750 mil no próximo ano. Qual o impacto disso para a população do campo?

Cristina Nascimento – A cada dia esse governo se revela muito perverso e as cifras do orçamento revelam exatamente essa exclusão, essa negação de direitos e políticas. E isso tem um impacto muito grande porque no caso do Semiárido, nós passamos por um período de 6 anos de seca, se a gente não teve os conflitos sociais ligados à fome ou a escassez de água foi por um conjunto de políticas que, de forma integrada, foram as cisternas, o Bolsa Família, o PAA [Programa de Aquisição de Alimentos] , o PNAE [Programa Nacional de Alimentação Escolar], o Pronaf, o Garantia Safra. Então você tinha um leque de instrumentos sociais que o governo garantiu pra que a gente tivesse uma maior autonomia para passar por esse momento de crise hídrica de uma forma mais amena. Então quando você desmonta tudo isso você está condenando essas pessoas à miséria, ao êxodo, a violência no campo e na cidade, então isso é a demonstração de quem não tem o menor compromisso com a classe trabalhadora, com as camadas populares desse país. Então a tendência é a gente ter nosso país a desigualdade social cada vez mais agravada, os conflitos sociais cada vez mais fortes e o retorno de muitas famílias ao mapa da fome.

ASACom – Na mesma lógica, a construção de cisternas no semiárido vem sofrendo uma diminuição no orçamento. Qual a perspectiva das ações de convivência com o Semiárido em 2018?

Cristina Nascimento - Desde 2003 a gente vem nessa luta para que as ações de convivência possam ter um espaço definido dentro do orçamento e eu acho que nós conseguimos um espaço através de um diálogo com o Consea, do diálogo com o próprio governo, que essas ações se tornassem programas. Hoje existe o Programa Cisternas dentro de uma ação maior que é a ação de segurança alimentar, eu acho que é importante entender essa trajetória de luta e resistência e de incidência que a ASA teve, não só nós, mas da incidência que tivemos dentro do Consea junto a outros movimentos, outros parceiros, isso foi importantíssimo e é crucial neste momento porque essa trajetória não pode ser esquecida. As ações de convivência entraram no orçamento não numa perspectiva de bondade, de clientelismo, mas foi por uma luta, por uma incidência política a partir das ações de convivência que a gente faz no Semiárido que são os programas de cisternas em especial o Programa Um Milhão de Cisternas que foi nossa porta de entrada pra esse debate.

Tivemos já em 2016 para 2017 uma redução no orçamento, é tanto que nós ainda estamos na execução de um orçamento muito baixo, em 2017 não tivemos nenhuma perspectiva de novos contratos assinados, então você vê que essa ação tende a diminuir. Só que a gente tem que entender que não é só a ação de convivência, são todas aquelas ações que estão direcionadas para as camadas populares, então é a retirada da pobreza do orçamento. E isso tem um peso muito forte no que a gente tem construído. Claro que o que a gente construiu hoje, de quase um milhão de cisternas de placas no Semiárido, o resultado disso se estende, ele continua, mas nós ainda temos famílias que dependem do acesso à água para ter uma vida com maior tranquilidade principalmente as águas na perspectiva da produção de alimentos. Então o que a gente tem hoje, mais de 160 mil famílias no Semiárido brasileiro com tecnologia de segunda água, imaginar que você não tem recurso para ampliar o número de familiais que são famílias que estão no Bolsa Família, que são agricultores e agricultoras familiares que poderiam ter acesso, através da ampliação da produção nos seus quintais, ao PAA e ao PNAE, mas quando a gente vê toda essa rede de programas está reduzida.

E na contramão de tudo isso, vamos continuar lutando. É importante inclusive destacar que a ASA, através dos nossos diretores, vai participar da COP13 [13ª Conferência das Partes sobre Desertificação], na China, onde a ASA vai receber um dos títulos mais importantes que já recebemos até hoje no sentido do reconhecimento do Programa Cisternas como o segundo programa mundial que contribui no combate à desertificação e essencialmente no combate à pobreza. Então nós precisamos dar visibilidade a isso, precisamos dizer a sociedade o que que está acontecendo porque nós não podemos ficar calados diante de uma redução tão absurda  nos orçamentos previstos para uma ação tão importante para o Semiárido. Então todos os movimentos ligados ao campo e também à cidade precisam discutir sobre o impacto que tem a redução desse orçamento para as políticas públicas para que a gente consiga continuar no processo de construção de cidadania no Brasil. Precisamos enfrentar e denunciar essa redução e esse retrocesso e no caso especial nas ações de convivência com o Semiárido. E temos que denunciar anunciando que isso está sendo feito diante de um dos programas mais importantes que tem no Brasil que é o P1MC, um programa hoje reconhecido internacionalmente pela sua contribuição ao combate à desertificação e combate à pobreza.

ASACom- Os biomas brasileiros também têm sido bastante impactos por projetos e medidas nos âmbitos Executivo e Legislativo. O caso mais recente envolve uma grande área de Mata Atlântica na Amazônia para exploração de minérios. Há vários casos também envolvendo a exploração de recursos naturais no Cerrado e na Caatinga. O que está por trás dessas medidas?

Cristina Nascimento - Infelizmente nós temos acompanhado nos últimos dias, mas não só nos últimos dias, na realidade é uma construção histórica o fortalecimento da lógica do agronegócio que tem o nosso patrimônio natural como a grande estratégia de aumentar seus lucros, de aumentar sua capacidade de produzir e isso se revela quando a gente vê, por exemplo, áreas que historicamente eram mantidas como áreas que não eram possíveis de se ter lucro, de se trabalhar, como é o próprio Semiárido, você vê que o agronegócio cria suas estratégias. No nosso Semiárido você têm várias reservas que estão sendo exploradas e com a garantia inclusive da legislação brasileira e quando a gente vê hoje uma perspectiva de uma conjuntura em que há toda possibilidade do agronegócio colocar em andamento as suas leis, as suas proposições com a certeza de que não vai ter volta, esse é um ambiente muito desafiador, é um momento da gente fazer denúncias, da gente se fortalecer nessa luta porque são os povos indígenas, os quilombolas, os pescadores artesanais, os territórios dos povos das águas e das florestas, das comunidades tradicionais, são eles que também estão em xeque porque esses territórios estão em disputa pelo agronegócio. Então a gente vê cada vez mais crescer o poder daqueles que já tinham poder, mas de uma forma avassaladora e nós precisamos ficar atentos a essa realidade.