Comunicação Popular
15.09.2017
Artigo sobre experiência de comunicação da ASA é apresentado no X Congresso Brasileiro de Agroecologia

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Por Catarina de Angola, Fernanda Cruz, Elka Macedo, Gleiceane Nogueira, Carlos Magno

A sistematização das experiências de agricultoras e agricultores do Semiárido é uma das mais importantes estratégias de comunicação da ASA

Sistematização de experiências na promoção da convivência com o Semiárido: a experiência da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA)

A Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) é uma rede com 18 anos de atuação que reúne cerca de três mil organizações da sociedade civil que atuam na perspectiva da convivência com a região semiárida. O Semiárido brasileiro abriga mais de 23 milhões de pessoas, o que corresponde a 12% da população do país, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2014). A população está distribuída em todos os estados do Nordeste e Minas Gerais, numa área que ocupa 18% do território brasileiro e mais de 20% dos municípios do país (ASA, 2017). A ASA acredita que a comunicação é direito humano de todas as pessoas e por isso desenvolve junto a sua atuação uma ação de comunicação popular, horizontalizada e como promoção da população da região. E ao longo de sua ação vem contribuindo para a sistematização e construção do conhecimento agroecológico.

Pensar essa comunicação de forma horizontalizada, onde todos e todas podem se ver e comunicar ao mesmo tempo, numa área territorial tão grande e tão plural quanto o Semiárido brasileiro sempre foi desafiador para a ASA. Em 2007, com a chegada do Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2) surge uma oportunidade de exercitar uma nova prática de comunicação popular, através dos boletins de sistematização.

A prática de sistematizar os agroecossistemas como uma ferramenta de construção do conhecimento já era uma prática de algumas organizações, a exemplo da AS-PTA. A inovação proposta pela ASA era tornar essa uma prática em rede, envolvendo agricultores, agricultoras, comunicadores e comunicadoras populares. A comunicação é estratégia política de convivência com o Semiárido. E por isso, a ASA conta com uma dinâmica descentralizada de comunicação popular e diversos instrumentos de comunicação, entre eles o boletim e banner O Candeeiro, que sistematiza experiências de agricultores e agricultoras de todo o Semiárido e é construído pela rede há 10 anos.

Descrição da experiência

Para o relato da experiência foram desenvolvidas pesquisa bibliográfica, análise histórico e documental e observação participante. O relato parte dessa análise como possibilidade de fazer um registro histórico da experiência, levantando seus principais resultados, e sua importância para o anúncio e visibilidade de experiências e práticas agroecológicas e de convivência com o Semiárido. A ASA em sua história sempre teve a comunicação como componente dos seus programas. As organizações que integram a rede já desenvolviam antes de se articularem nacionalmente diversas ações em comunicação como cartilhas, jornais, boletins de sistematização de experiências, vídeos, folhetos, programas de rádio, entre outras atividades de comunicação popular e comunitária. Anunciando suas atividades e sistematizando práticas metodológicas institucionais, e desenvolvidas por agricultores e agricultoras. Após a articulação em rede nacional, em 1999, essas ações de comunicação foram potencializadas em todo Semiárido.

Para promover ações de comunicação em rede, a ASA sempre contou com uma equipe de assessoria de comunicação que produz e estimula conteúdos para internet; para rádio; para produção de materiais pedagógicos, que fortalecem o processo de mobilização social e de implementação das atividades da rede; assessoria de imprensa, na perspectiva de consolidar uma outra imagem do Semiárido, a de região viva e cheia de possibilidades, bem como de potencializar as práticas já realizadas pelas organizações que a compõem. Os conteúdos também são voltados para denunciar a violação de direitos contra a população do Semiárido, visando uma comunicação com a sociedade e o poder público.

Com o início do Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2), no ano de 2007, a ASA potencializou sua ação em comunicação com o início da formação da Rede de Comunicadores e Comunicadoras da Articulação Semiárido Brasileiro, pois uma pessoa responsável pela ação de comunicação popular passou a integrar as equipes de cada organização da articulação que executa o programa. Assim, ao longo dos anos de atuação, a rede de comunicação da ASA cresceu e consolidou várias atividades em comunicação. Ainda com o início do P1+2, a sistematização de experiências de agricultores e agricultoras do Semiárido passou a ser realizada e publicada em formato do boletim impresso O Candeeiro. Desde o ano de 2012, a ASA passou a contar com a sistematização de experiências também em formato de banner em lona, o que abriu mais possibilidades e formas de partilha das histórias do Semiárido.

Os comunicadores e as comunicadoras da ASA constroem O Candeeiro de forma participativa com os próprios agricultores e agricultoras, em uma dinâmica que proporciona a reflexão sobre suas práticas agroecológicas; de comercialização; de organização; de luta pela água, terra e território; de convivência com o Semiárido, entre muitas outras. Os exemplares dos boletins impressos e os banners são entregues aos próprios agricultores e agricultoras que os partilham em suas comunidades, em associações, nos sindicatos, em eventos, nos intercâmbios, em feiras e onde mais desejarem. Cada experiência sistematizada em texto é publicada com mil exemplares impressos, em um boletim que pode ser de duas ou quatro páginas, com fotos, ou em formato de banner, com um exemplar, também contendo textos e fotos.

A prática de sistematização é uma ação importante para a ASA, pois resgata e valoriza o saber e o conhecimento popular dos agricultores e agricultoras e conta a história da região na perspectiva deles e delas. Os agricultores e agricultoras passam a serem protagonistas das suas histórias, a registrar seu conhecimento, a refletirem sobre as suas práticas e a multiplicarem esses saberes com outras pessoas. O boletim de sistematização O Candeeiro conta e registra uma história do Semiárido que se contrapõe ao discurso historicamente disseminado sobre a região, de um lugar de pobreza, seca, falta de perspectivas, povo desprovido de capacidades.

Contar as histórias das famílias agricultoras revelando o saber e a diversidade da produção, a cultura milenar de guardar sementes, o jeito de cuidar da natureza e aliar a preservação ao jeito de criar os animais é de extrema relevância para visibilizar o Semiárido como lugar com potencial, vivo, rico, belo e de pessoas guerreiras, resistentes e lutadoras. Neste contexto, a sistematização de experiências vem sendo uma ferramenta importante no fortalecimento do campo agroecológico brasileiro e na disseminação de práticas exitosas voltadas à convivência digna com as adversidades do clima Semiárido. Assim Sanches (2011) ressalta que “a sistematização deve proceder de modo a permitir que a experiência vivida seja apropriada com a intenção de compartilhar o aprendido”.

Para a agricultora Joelma Pereira (ASA, 2016), da comunidade de Pedra Branca, em Cumaru, Pernambuco, o boletim O Candeeiro é a possibilidade de multiplicar sua experiência agroecológica. “Eu cresci e me criei trabalhando com os meus pais na agricultura, mas em uma agricultura muito tradicional. Você ver a sua história contada a partir do que você vem vivenciando e fazendo é legal. Por conta de receber a cisterna de beber, a gente começou a participar de vários momentos de formação, aí começamos a ver que a agricultura não era somente plantar duas culturas ou necessariamente desmatar, mas a gente tinha outras formas, outras alternativas pra se produzir. Tudo faz parte desse trabalho de agricultura familiar agroecológica. Você vê a sua história contada a partir do que você vem vivenciando e fazendo é legal. Quando as pessoas recebem os boletins, os jornaizinhos com a história da gente, eu acho que isso não só multiplica essa experiência, mas dá uma certa curiosidade para as pessoas vir até a gente”.

Mesmo com resultados expressivos, em relação ao fortalecimento e execução de políticas públicas de acesso à água, no último ano, de 2016, os programas da ASA tiveram uma redução de recursos investidos pelo Governo Federal, maior apoiador da política de acesso e democratização da água desenvolvida pela rede nos últimos 18 anos. Com isso, as diversas ações que envolvem a construção de tecnologias, a mobilização social para a convivência com o Semiárido e a sistematização de experiências tiveram uma redução em sua execução, assim como a da Rede de Comunicadores e Comunicadoras Populares da ASA. Tudo isso, fragiliza a ação em rede tanto no que se refere ao fortalecimento da comunicação popular, quanto à execução de ações conjuntas que tem mudado à realidade das famílias que habitam o Semiárido.

Resultados

A proposta da ASA de sistematização de experiências já registrou mais de duas mil histórias e experiências de agricultores e agricultoras familiares, apenas em formato de boletim impresso. Cada boletim é publicado com mil exemplares. O que significa que essas histórias, experiências e saberes já chegaram a muita gente em todo o Semiárido e fora dele. Os boletins estão disponíveis também no site da ASA e podem ser baixados. Na plataforma virtual, a busca pode ser feita na escolha por estado em que está localizada a experiência, por organização da ASA que fez a sistematização, ou por um dos 15 assuntos que estão lá classificadas: acesso à água, acesso à terra, agricultura familiar, agrobiodiversidade, agroflorestas, criação animal, cultura, economia solidária, educação contextualizada, juventude, manejo da caatinga, mulheres, organização comunitária, quintais produtivos e sementes. A sistematização de experiências na ASA é resultado da Rede de Comunicadores e Comunicadoras Populares. Uma ação articulada entre as organizações que compõem a articulação e que atuam no Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2).

Com O Candeeiro, a história do Semiárido vem sendo contada a partir dos agricultores e agricultoras, que são protagonistas de sua própria vida e que têm em suas mãos sua história e todas suas experiências. Diante do atual modelo concentrado de comunicação no Brasil, é necessário que se fortaleçam iniciativas de comunicação popular para que a sociedade civil possa ter espaços de comunicação que dialoguem com suas realidades e possam anunciar suas conquistas. Iniciativas como a sistematização de experiências da ASA com O Candeeiro anunciam experiências concretas de convivência com o Semiárido e agroecologia e visibilizam um outro Semiárido, diferente dos meios de comunicação hegemônicos do Brasil que estão concentrados nas mãos de poucas famílias e de setores empresariais, como o agronegócio. Por conta dessa concentração da mídia, muitas vezes, iniciativas exitosas de organizações e movimentos da sociedade civil são invisibilizadas. Dessa forma, é necessário que o Estado brasileiro também reforce políticas de fomento as ações de comunicação popular, em especial no rural, que é historicamente menos contemplado com informações locais, ficando a mercê de notícias das capitais e grandes cidades.

 

 

Referências bibliográficas

ASA. O Semiárido contado por sua gente. Recife, 2016. 25 minutos.

ASA. Semiárido. Disponível em: < http://www.asabrasil.org.br/semiarido >. Acesso em abr. 2017.

BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Estimativa populacionais para os municípios brasileiros. 2014. Disponível em: <ftp://ftp.ibge.gov.br/Estimativas_de_Populacao/Estimativas_2014/estimativa_dou_2014.pdf>. Acesso em abr. 2017.

SANCHES, Cinara Del’ Arco. Contribuição da sistematização de experiências para o fortalecimento do campo agroecológico e da agricultura familiar no Brasil. 2011. 181 f. Dissertação (Mestrado em agroecologia e desenvolvimento rural). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2011