Cisternas nas Escolas
20.09.2017 CE
Cisternas resolvem desabastecimento de água em escolas de Chorozinho e Caridade
Comunidades escolares das duas cidades apoiaram o Programa Cisternas na Escolas e conseguiram universalizar o abastecimento de água para educação municipal

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Por Emília Morais - comunicadora do Esplar

O Programa Cisternas nas Escolas tem beneficiado crianças e jovens de todo o Semiárido | Foto: arquivo Esplar

Cedinho, antes das sete da manhã, as turmas vêm chegando. As crianças menores vêm de mãos dadas com a mãe ou o pai e os /as jovens carregam nas costas a mochila com os livros e cadernos para a aula do dia. Quando soa a sirene, é hora de ir para a sala, todos entram, sentam e percebem o odor que vem do banheiro ao lado.

Está faltando água de novo e a zeladora vai fazendo o que pode para limpar a escola. Vai ser difícil a turma se concentrar na aula de matemática com o mau cheiro, mas a professora segue com a matéria do dia. Ensinada a tarefa, começa a inquietação dos alunos e alunas pelo intervalo. “Já pode ir para a merenda?”, perguntam. Infelizmente, naquele dia também não vai haver merenda, o carro-pipa não chegou com a água, e os tambores estão vazios. A merendeira olha para os suprimentos de arroz, feijão, cuscuz e se entristece por não poder cozinhar a alimentação dos alunos.

Realidades como estas acontecem em cerca de 20 mil escolas públicas localizadas na região semiárida do Brasil, que vivenciam, ano após ano, o problema do desabastecimento de água. Segundo o Censo Escolar de 2014, enquanto 94% das escolas urbanas têm rede de água, apenas 27% das que estão na área rural têm esta necessidade atendida. Na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), a alimentação escolar está sob responsabilidade e obrigação do Estado, o que não é possível de atender sem o fornecimento suficiente de água. Também não é viável que haja a limpeza ideal no ambiente escolar, pois, para 450 mil estudantes da zona rural, não há saneamento básico nos locais onde estudam.

Transformado em uma política pública federal em 2015, o Programa Cisterna nas Escolas construiu 3.820 tecnologias sociais para captar e armazenar água da chuva em escolas de Alagoas, Ceará, Bahia, Sergipe, Rio Grande de Norte, Paraíba, Pernambuco, Piauí e Minas Gerais . “O programa foi pensado a partir da dificuldade de acesso à água em escolas de todo o Semiárido”, explicou a assessora técnica Aparecida Amado no encontro promovido pelo Esplar entre educadores e educadoras do município cearense de Chorozinho, em junho de 2017. O Esplar, Centro de Pesquisa e Assessoria atuou em sete cidades do Ceará, coordenando a construção de 127 destas tecnologias sociais. Em Chorozinho, foram construídas 16 cisternas e em Caridade 21, o que possibilita o armazenamento de água da chuva em praticamente toda a rede de educação pública nas duas cidades.

No ano anterior, quando havia sido decretado estado de emergência em Chorozinho devido à estiagem e à crise hídrica, 16 escolas dali foram escolhidas pela Secretaria de Educação do município, o Esplar, os Conselhos Municipais de Educação e de Alimentação Escolar, entre outras entidades, para receber uma cisterna. A ONG coordenou as obras e os cursos para a comunidade escolar sobre consumo consciente de água e educação contextualizada, mas a meta de possibilitar o armazenamento de água da chuva em praticamente toda a rede pública de ensino só foi realizada com o envolvimento destes diversos grupos que defendem a educação no município.

As escolas municipais recebiam água dessalinizada, retirada de poços profundos e transportada em caminhões-pipa. A distribuição não era regular e, quando chegava na escola, não havia grandes recipientes para guardar a água. Segundo Maria Silvângela Felício, diretora escolar, a alegria dos professores e professoras de Chorozinho em saber que finalmente os alunos e alunas teriam sempre água disponível na escola deu lugar à decepção e à indignação com a recusa da Prefeitura em continuar com o Projeto Cisterna nas Escolas. “Quando a gestão anterior estava no poder, nos deu carta branca para construir cisternas, mas quando perderam as eleições, foi como se não fosse problema mais problema deles, não havia mais interesse”, afirmou.

Vendo o risco de seis escolas perderem a cisterna, formou-se uma comissão para cobrar o ajustamento de conduta da Prefeitura e a assinatura de um documento assegurando esta reivindicação. O Sindicato dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares de Chorozinho; o Sindicato dos Professores e Servidores da Educação e Cultura do Estado e Municípios do Ceará (APEOC); os Conselhos Municipais de Educação e de Alimentação Escolar e Comissão Municipal da Convivência com o Semiárido pressionaram o governo municipal e exigiram o comprometimento na conclusão do Programa em Chorozinho. “A gente tinha que abraçar e fazer com que isso chegasse até as escolas. Seria sanar, resolver o problema que nós tínhamos. E aí fomos à luta”, diz a educadora, que na época presidia o Conselho Municipal de Alimentação Escolar.

A atual Secretária de Educação de Chorozinho, Célia Marinho Albano, assumiu a pasta em janeiro de 2017, três meses após a suspensão do Programa Cisterna nas Escolas pela equipe anterior. “Houve um grande movimento para não deixar retornar um benefício tão grande para o município. Temos que trabalhar as políticas públicas independentemente de qual seja o governo, tem que haver continuidade porque vai impactar em resultados positivos no aprendizado dos nossos alunos”, afirma a gestora.

Hoje, erguidas cisternas em 16 escolas, praticamente todos/as estudantes e professores/as foram beneficiados. “Hoje a gente tem água doce à vontade”, diz a diretora Ana Maria de Lima. Na creche dirigida por ela, as merendeiras esperavam a chegada do carro-pipa com a água dessalinizada, suficiente para cozinhar e dar de beber às crianças durante apenas uma semana. Com as chuvas no início de 2017, as canaletas da nova cisterna da creche captaram cerca de 50 mil litros de água e, seguindo os conselhos sobre gestão hídrica ensinados pelo Programa, haverá água durante todo o ano letivo. “Quem tem cisterna tem água doce da chuva o ano todo”, afirma ela. Para Silvângela, o trabalho na Educação já não é mais visto somente como moeda de troca por votos, prova disso foi o engajamento de tantas pessoas em Chorozinho pelas cisternas. “Está despertando um ideal que não é mais o politiqueiro, que existe na mentalidade das pessoas. Hoje a gente briga por direitos e sabe das responsabilidades. Sem água, não existe escola”.

Educação fértil

O município de Caridade faz parte do chamado “Polígono das Secas”, região brasileira que abrange mais de mil cidades em nove estados. Nesse pedaço do País, a falta de chuva causa calamidade para a população, porque as ações emergenciais do poder público não solucionam os efeitos da estiagem.

Nos últimos seis anos, as chuvas foram abaixo da média e os/ as 3.500 estudantes e 350 professores/as desta cidade sentiram os problemas se agravarem. Os açudes secaram e as escolas novamente dependiam dos carros-pipa em mau estado de conservação, que traziam uma água “com gosto e cor de ferrugem”, descreve a Secretária de Educação Darlene Amorim Rodrigues Jatobá. Ela trabalha há dezesseis anos na educação municipal: já foi professora na zona rural, coordenadora pedagógica e diretora, mas vive os problemas do desabastecimento desde quando ainda era estudante e as aulas na escolinha do distrito de Campos Belos, onde morava, encerravam mais cedo por não ter como servir o lanche. A educadora lembra que já houve tentativas de resolver a crise hídrica em Caridade, mas todas fracassaram: as cisternas de plástico distribuídas nas comunidades ressecavam e rachavam sob o sol forte, as adutoras também não supriram a necessidade.

Na visão da Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA), rede responsável pelo Programa Cisternas nas Escolas, a seca é um fenômeno climático que se repete todos os anos e com o qual é possível conviver e adaptar-se. A cisterna feita com placas de cimento é comprovadamente uma tecnologia social eficaz para a região, pois capta a água das chuvas que caem em abundância no início do ano e a armazena neste tanque, onde estará protegida da forte evaporação que acontece nos meses de sol forte.

Caridade agora é uma cidade modelo, onde as 21 cisternas construídas atendem a praticamente todas as escolas. As/os merendeiras foram profissionais mais beneficiadas com a chegada da cisterna e da água encanada. Verônica Castro Lima cozinha três refeições por dia para as aluna e alunos na escola da comunidade Riacho do Meio. Antes de ter a ajuda da cisterna, precisava carregar a água em baldes pesados. “A água do carro-pipa era colocada na minha casa e eu levava na cabeça para a escola. Quando a cisterna chegou foi uma maravilha”, diz.

O programa Cisterna nas Escolas reuniu a comunidade escolar: familiares , alunos e profissionais da educação e explicou sobre Direitos Humanos, educação ambiental, ensino contextualizado com a realidade do Semiárido, entre outros temas. A educadora Maria Cláudia Abreu Ferreira acompanhou o e viu a aproximação das famílias com a escolas e uma parceria maior entre os educadores e educadoras pela aprendizagem dos alunos. “Foi uma experiência maravilhosa. É um benefício que vem para a comunidade rural onde se necessita tanto”, diz Cláudia.