Educação do Campo
07.06.2018
“A gente acredita numa educação do campo como uma forma de mudar a nossa realidade”

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Por Elka Macedo - ASACom

Educação dentro e fora da escola foram pautas do Seminário | Foto: Elka Macedo

Falar em educação do campo é lembrar o quanto é necessário fortalecer os vínculos de ensino-aprendizagem das pessoas dentro do seu espaço de vida e trocas. Aliar o conhecimento popular e a cultura campesina ao saber científico é necessário e importante para garantir que haja sucessão rural e que a agroecologia seja vivida de fato. A proposta de uma educação inclusiva e que respeite os sujeitos/as e seus acúmulos de saberes é, sem dúvida, um caminho para a emancipação e empoderamento dos povos que habitam os rincões das zonas rurais do país.

Neste sentido, experiências em educação do campo saltam aos olhos e inspiram pessoas e grupos em todo o território nacional. Pensando nestes bons exemplos, durante o IV Encontro Nacional de Agroecologia (IV ENA), que terminou no último domingo (3), em Belo Horizonte (MG), o Seminário Educação do Campo e Construção do Conhecimento Agroecológico trouxe vários aspectos que ligam a educação contextualizada à agroecologia, entre as quais o Programa Cisternas nas Escolas da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA); os cursos de licenciatura em Educação do Campo; os núcleos universitários de agroecologia; a Escola Família Agrícola do município gaúcho de Santa Cruz e a Assistência Técnica feminista da Sempre Viva Organização Feminista (SOF).

“Essa proposta de formação de educadores reconhece a agroecologia enquanto matriz formativa. É nesta perspectiva que os 45 cursos de licenciatura em educação do campo tem como objetivo formar educadores e educadoras para trabalhar na docência multidisciplinar nos anos finais do ensino fundamental e também no ensino médio. É a partir da pedagogia da alternância que os/as educadores/as e educandos/as conhecem e vivenciam as realidades do campo e neste processo eles têm a oportunidade de construir o entendimento de agroecologia enquanto processo político e pedagógico. Isso nos possibilita pensar não apenas a transformação no campo, mas também nas cidades”, explicou Élida Miranda, professora do curso de licenciatura em educação do campo da Universidade Federal de Viçosa (UFV-MG).

As reflexões do Seminário foram registradas em forma de sistematização gráfica | foto: Elka Macedo

Outro movimento que tem fortalecido a cultura da produção camponesa agroecológica e a educação contextualizada é a metodologia das Escolas família Agrícola (EFAs). A jovem gaúcha, Bruna Richter Eichler, terminou o curso na EFA de Santa Cruz (RS) e explica como o acesso à unidade de ensino contribuiu para a sua permanência no campo e diversificação da produção do agroecossistema da sua família que tem a cultura de plantar tabaco.

“Eu sigo ajudando meus pais na produção de tabaco, mas continuo fazendo a produção de hortaliças, pois participo da feira. E acho que é assim que a gente consegue construir alguma coisa diferente na nossa realidade, não é batendo de frente ou desistindo. A gente tem que construir junto com nossos pais e os nossos avós, porque a gente acredita numa educação no campo como uma forma de mudar a nossa realidade [...] A gente acredita também que esta caminhada é lenta, mas também não é pela velocidade nos nossos passos que a gente vê, mas pelas marcas que eles deixam pelo chão. Então a gente acredita que muita coisa ainda vai mudar!”, salienta a jovem.

Embora haja bons frutos no processo da educação do campo, o governo adotou nos últimos anos uma política de nucleação e fechamento das escolas rurais. A medida ameaça a qualidade do ensino e a permanência das famílias agricultoras nas zonas rurais, como explicita o coordenador do Programa Cisternas nas Escolas da ASA, Rafael Neves.

“A gente está enfrentando um maior desafio que é o fechamento das escolas. E se a gente não tiver escola do campo, a gente não vai ter agricultor/a no campo; a gente não vai ter produção no campo e muito menos uma educação de qualidade. E a gente está num momento de enfrentando violento a esta ação. No programa Cisternas nas Escolas, temos dados que revelam que 8% das 5.500 escolas, nas quais foram implantadas tecnologias de captação e armazenamento de água nos últimos três anos, fecharam”, alerta, Neves.

Um outro aspecto que enfraquece a ação no campo, segundo Neves, tem a ver com o não reconhecimento das escolas como um espaço de fortalecimento e ocupação da comunidade. “Um grande problema da escola no Semiárido e no interior é o sentimento de não pertença à escola. A escola é da prefeitura, não é da comunidade. Então por isso, o Programa Cisternas Escolas tem a ideia de sentar com a comunidade, para que eles/elas entendam que a escola é um espaço comunitário”, salientou o Coordenador.

Para além do espaço das escolas, a experiência da Ater feminista se mostrou como uma ação que educa por meio de trocas e empodera as mulheres para se fortalecerem enquanto sujeitas protagonistas no campo. Entender que o conhecimento que elas têm é importante e que elas exercem um papel fundamental para a manutenção do agroecossistema da família é um dos objetivos da assessoria técnica ofertada pela ONG SOF. Sobre o reflexo da Ater na vida das camponesas, a agricultora Maria Izadilte Dias, afirma que houve significativas mudanças no comportamento e reconhecimento dela e das outras mulheres da comunidade, após provarem para si e para seus companheiros o quanto o trabalho que desenvolvem é relevante.

“Não foi só um despertar de trabalhar e de ter um pouquinho mais de renda dentro de casa, mas sim uma terapia. A gente aprendeu a trabalhar com as cadernetas, porque a gente plantava, plantava, e depois o povo dizia que a gente não fazia nada, aí a gente acabou provando que faz. A gente começou a anotar aquilo que a gente plantava e aquilo que a gente comia. Quando chegava no fim do mês a gente sabia o quanto tinha gastado e o quanto ia gastar se fosse no mercado; o que a gente deu pro vizinho, o que a gente trocou e o que a gente vendeu. Isso despertou, porque as mulheres contaram para os maridos que fazem mesmo. E hoje a gente pode comprar o que sentir vontade sem pegar dinheiro com o marido. A gente aprendeu a viver, a plantar, a se comunicar; aprendeu a se olhar no olho da outra. Aprendemos a ser companheira uma da outra”, lembra Izadilte, com orgulho.

Neste contexto, o processo de educação popular em que se respeita o saber de cada um e de cada uma dentro e fora da escola, se consolida como uma estratégia de referência para se garantir que a cultura camponesa se fortaleça, que os vínculos dos povos do campo se perpetuem e que a agroecologia seja esse laço de unidade entre a educação e o bem-viver no meio rural.  Como citado pela representante dos Núcleos de Agroecologia (NEAS), Luisa Damigo, que também participou do seminário: “Agroecologia é chuva em terra seca” ao se referir à fala marcante do agricultor piauiense Raí, em um dos encontros do NEAS.