Agroecologia
00.00.0000 AL
Agricultor familiar dá exemplo de convivência com o Semiárido

Voltar


Preserve as riquezas naturais, saiba usar as riquezas naturais, que ela nunca vai te abandonar, diz seu Damasceno

A vida em cima do morro, com estradas de difícil acesso e muitos desafios para conviver na região não representa obstáculo para o casal de agricultores Sebastião Damasceno e Ana Maria Alcântara Damasceno, pais de quatro filhos. Eles vivem no Sitio Cabaceiro a 12 km da cidade de Santana do Ipanema-AL, e na propriedade desenvolvem atividades de apicultura, avicultura, ovinocultura, banco de sementes da resistência, além do plantio de espécies nativas, ervas medicinais, ração animal. “Gosto de viver aqui, de cuidar dos animais. Aqui tenho o que preciso para viver bem”, disse a agricultora Ana Maria.

No inicio do casamento, em 1988, Sebastião Damasceno, 60 anos, ainda não tinha uma residência, trocava dias de serviço no roçado entre amigos, e desenvolvia a atividade de carreiro, vaqueiro. O acesso aos primeiros hectares de terra e à primeira cisterna foi por meio da herança do pai dele, porém com muita disposição e estratégia, o agricultor foi comprando outros hectares à medida que vendia parte do roçado e de alguns animais.

Atualmente dispõe de 35 hectares, onde mais de 20% representa reserva legal com espécies nativas e medicinais. Para manter a reserva e a produção, o agricultor Sebastião Damasceno integra os subsistemas. Assim, o esterco de animal serve de adubo, o leite produzido é para alimentação da família, a conservação da vegetação contribui para manter a vida nas colmeias. Um subsistema contribui para o desenvolvimento do outro. Na propriedade nada se perde e nada se queima, toda vida é respeitada. “Preserve as riquezas naturais, saiba usar as riquezas naturais, que ela nunca vai te abandonar. Sorrir para natureza, para vida, que a natureza sorri para nós”, diz Sebastião Damasceno.

O papel da família - Além de assumir as atividades domésticas, a agricultora Ana Damasceno trabalha com o esposo nas atividades do roçado. Desde criança, os filhos foram incentivados pelo casal para ir à escola e no horário em que estavam em casa ajudavam aos pais. O primeiro filho, Fabiano Alcântara Damasceno tem 26 anos, concluiu o curso técnico em Agropecuária e trabalhou na secretaria de Agricultura do município de Santana do Ipanema-AL. Atualmente estuda agronomia na Universidade Federal de Alagoas (Ufal) no Pólo Arapiraca. A filha Fabiana Alcântara Damasceno, 25 anos, concluiu o ensino médio e fez o curso técnico em segurança do trabalho. Trabalha no comércio em Santana do Ipanema-AL.

O terceiro filho Francisco de Assis Alcântara Damasceno, 24 anos, concluiu o curso técnico em agropecuária no Instituto Federal de Alagoas (Ifal) e, em 2015, começou a trabalhar no Programa de Manejo da Agrobiodiversidade, da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA). Já o filho casula Floriano Alcântara Damasceno, 18 anos, está cursando o curso técnico em Agropecuária no Instituto Federal de Alagoas (Ifal).

Devido aos estudos e trabalho, os filhos não passam a semana na propriedade, porém eles dedicam as horas vagas e os finais de semana para ajudar e orientar os pais com conhecimentos técnicos. Além dos filhos, o agricultor tem um irmão, José Damasceno, que ajuda no desenvolvimento das atividades. “O poder da união, da compreensão, da divisão de tarefas, do amor para quem vive nesse mundo é importante. A união com meus filhos ajuda a gente a superar os desafios, por isso, que em 2015 não precisei acessar o custeio agrícola”, afirmou o agricultor.

Políticas públicas e formação para Convivência com o Semiárido - O desenvolvimento da família no campo foi acontecendo através do interesse do agricultor em integrar a associação de moradores e participar de cursos de formação, intercâmbios, seminários, encontros, com o apoio de entidades que integram a ASA. Ele destaca: “O primeiro curso que fiz de Lavradores e Lavradoras, com o apoio da Cáritas Diocesana e da Coppabacs foi no Irpaa, em Juazeiro da Bahia, em 2003”.

“Quando voltei com minha ideia diferente, sabendo o valor da flora, da fauna, da terra e da água, minha vida mudou. Passei a ter acesso à água, participar de intercâmbios e encontros. Então, passei a me educar e ver o mundo com meus próprios olhos participando desses espaços”, recorda Sebastião.

Também com o acesso à linha de crédito através do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), o agricultor foi conseguindo de forma planejada a viver na propriedade. O primeiro acesso ao crédito ocorreu em 1997, desde então, de oito em oito anos, ele retornava a fazer o empréstimo, com exceção do ano de 2015.

Ao longo dos anos, com o acesso ao Pronaf ele comprou animais, fez silo, plantio de palma, construiu curral, cercas, limpeza de açude. Os filhos também acessaram o crédito, e implantaram a atividade de apicultura, o aviário e ovinocultura. “O crédito que acessei faço o investimento e uma parte, faço com o meu. O dinheiro do crédito é para produzir, porque com as perdas da estiagem faz falta, porque acontece a perda de água, do alimento, mas fica um pedacinho para a gente não tirar o pé do pedaço de chão. Se não tiver o lado financeiro você corre e vai embora”, explicou o agricultor.

Outras politicas públicas que ajudaram a família a permanecer do pedaço de terra foi o acesso à energia elétrica em dezembro de 2005, e a conquista da barragem subterrânea em 2007. Ele avalia: “com essa estiagem prolongada à água da barragem está pouca, mas ainda consigo um pouco de água para os animais e as frutíferas como a manga e acerola”.

Prática da Estocagem - Para superar o período de estiagem prolongada e viver no campo, o agricultor trabalha com os princípios da conservação do solo, da água, da flora e da fauna. Associado a essa prática da agroecologia, ele planeja a produção e estoca o alimento. “A estiagem no Semiárido brasileiro vem com frequência. Para conviver com a estiagem é preciso estocar, ser guardião. Guardar coisas que ajudem a conviver: guardar sementes, conservar a diversidade de animais resistentes, conservar a palma, a fauna e flora. Saber aproveitar as coisas na época certa, porque Deus manda muita chuva para o Semiárido agora o povo é que não sabe se preparar. A gente deve trabalhar como quem nunca morre e rezar como se morre hoje. Não é desacreditando de Deus e sim acreditando no amanhã. Você deve fazer as coisas quando não precisa, porque na precisão você já tem”, destacou o agricultor.