Entre Semiáridos do mundo
12.12.2018 CE
Africanos buscam inspiração na experiência brasileira de convivência com o Semiárido
No primeiro dia de visita de campo no Ceará, delegação africana conhece as tecnologias de acesso à água, os bancos comunitários de sementes e o processo de certificação participativa agroecológica, entre outras iniciativas

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Por Aline Moura (Esplar) e Gleiceani Nogueira (ASACom)

Encontro com a cisterna, ancestralidade e identidade negra | Foto: Rafael Neves/Arquivo Asacom

Foi com a história de luta, resistência e tradição da comunidade quilombola Sítio do Veiga, em Quixadá, que representantes de Senegal, Níger, Burkina Faso e Chade fortaleceram a troca de experiências de convivência com o Semiárido entre Brasil e África. A morada de 39 famílias remanescente de quilombo também foi lugar de resgatar a ancestralidade e a identidade negra. “A expectativa é de aproximação. Quebra o estereótipo de que a África é um local de profunda miséria. Vamos conhecer as experiências uns dos outros. Nossas fraquezas e dificuldades são bem parecidas”, afirma Ana Maria Eugênia, assistente social e liderança comunitária.

Fundado em 1906, Sítio Veiga foi a primeira comunidade rural a ser visitada durante o Intercâmbio entre Agricultores e Agricultoras de Regiões Áridas e Semiáridas do Mundo, organizado pela Articulação Semiárido Brasileira (ASA) e pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). Ao longo desta semana, o grupo vai visitar outras comunidades rurais no semiárido cearense.

No Sítio Veiga, os africanos conheceram as cisternas de consumo humano e produção. Essas tecnologias de armazenamento e captação de água de chuva estão sendo implantadas nos países visitantes. A construção de cisternas na África ainda está em fase piloto. Mas a perspectiva é essa iniciativa ganhe escala assim como no Brasil, que tem uma política pública de acesso à agua que é fruto da parceria entre a sociedade civil e o Estado.

As primeiras cisternas de consumo chegaram à comunidade em 2005. Antes disso, as mulheres percorriam 5 km para pegar água, que era imprópria para beber. “A gente trazia água nas cabaças no lombo de um jumento. A água era pra tudo. Depois dessas políticas públicas a nossa vida começou a mudar”, relata Ana Eugênia.

De acordo com Youssoupha Gueye, representante do Ministério da Agricultura do Senegal, as características geográficas do semiárido cearense são bem próximas ao de seu país. “Nós somos um país semiárido como o Nordeste brasileiro. Chegamos aqui para conhecer a experiência brasileira com as cisternas. Vamos começar a realizar o Programa 1 Milhão de Cisternas e queremos aprender como construir as cisternas e os diferentes tipos. Também estamos interessados na relação entre governo e sociedade civil na realização de políticas públicas”, conta Youssoupha.

Na Comunidade Riacho do Meio, no município de Choró, jovens geram renda transformando o gergelim em outros produtos | Foto: Gleceani Nogueira/Arquivo Asacom

Eles também visitaram a Casa de Semente Pai Xingano que guarda várias espécies de sementes de fava, milho e feijão. As famílias que pegam semente do banco precisam devolver uma quantidade a mais, pois dessa forma é possível atender a outras famílias. A forma e a quantidade a ser devolvida foram decididas pela associação. Ana Eugênia conta que “a casa de sementes é um espaço de conhecimento” e que antes as famílias dependiam da semente distribuída pelo governo, que chega atrasada.

No período da tarde, foi a vez da delegação visitar a experiência dos consórcios agroecológicos e da certificação participativa da comunidade Riacho do Meio, no município de Choró. Atualmente, a comunidade tem 69 famílias que vivem da produção de algodão, milho, feijão e gergelim. Tudo é plantado de forma consorciada e sem uso de veneno. João Felix, líder da comunidade, conta que nem sempre foi dessa forma. Até 1994 a comunidade fazia queimada, usava agrotóxico. A mudança ocorreu a partir da chegada do projeto de consórcio agroecológico realizado pelo Esplar.

A certificação da produção hoje é feita por meio da Associação de Certificação Participativa Agroecológica (ACEPA) na qual os participantes fiscalizam uns aos outros. A associação é reconhecida pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).

O trabalho também envolve os jovens da comunidade que são responsáveis pelo beneficiamento do gergelim. Eles produzem paçoca, cocada, óleo, entre outros produtos. A renda dos produtos é usada para pagar as despesas de produção e outra parte é dividida entre eles.

O intercâmbio segue nesta quarta-feira (12) em Quixeramobim, onde os africanos vão conhecer a feira agroecológica. De lá, o grupo vai conhecer experiências de cisternas de produção, reuso de água, quintal produtivo, em Senador Pompeu, e casa de sementes em Ibaretama.