Semiáridos Brasil-África
13.12.2018 CE
Partilha e entrelaçamento de saberes na comunidade Muxintató em Senador Pompeu, no Ceará

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Por João Marcos Nunes, IAC

Conviver com o Semiárido é partilhar saberes, vivências e sentimentos, inclusive com povos de outros continentes | Foto Arquivo IAC

O Semiárido é uma trama de saberes, bordada pela fé, amor, diversidade e alegria das pessoas que aqui vivem. Todos os dias, brotam e amadurecem sonhos e experiências de convivência com a terra e em comunidade. Experienciar é partilhar e entrelaçar saberes, vivências e sentimentos. Essa troca só é possível quando estamos com os pés na terra dos quintais. Nesse sentido, na manhã de ontem (12), foi realizado um intercâmbio de experiências de convivência na residência da família do Seu Francisco Linhares, mais conhecido como Seu Chico Leite, e Dona Antônia do Carmo com representantes de quatro países do continente africano: Senegal, Níger, Chade e Burkina Faso. 

Enquanto o ônibus com a comitiva se aproximava, Seu Chico Leite e Dona Antônia já estavam na porta de casa, esperando a chegada dos visitantes, para partilhar suas experiências de convivência com o Semiárido. Logo depois da chegada no quintal da família, não demorou muito para iniciar a conversa. Seu Chico, afirmou que aquele momento era muito especial para sua família e comunidade, partilhar seus conhecimentos e demonstrar o grande potencial de produção agroecológica de alimentos que ele e sua família fortalecem todos dias, enche seu coração de alegria e esperança.

A realização de momentos como estes, dentro dos quintais produtivos, possibilitam não só uma partilha de conhecimentos e saberes para os representantes destes países, mas também é um momento que contribui para o fortalecimento da família que constroi outra relação com a natureza e sabe que precisa ser partilhada. O intercâmbio é uma ação da Articulação no Semiárido Brasileiro, por meio do Fórum Regional pela Vida no Semiárido (FCVSA), e da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO).

"Demonstrar o grande potencial de produção agroecológica de alimento enche seu coração de alegria e esperança", diz seu Chico (de vermelho)

A família visitada mora na comunidade Muxintató, localizada no município de Senador Pompeu, e Seu Chico partilha com os visitantes um retalho da sua história. Ele afirma que, somente a partir do ano de 2006, a sua família conquistou uma cisterna de placas. Era mais um sonho se transformando em realidade. Com a água para consumo garantida, só faltava garantir a produção de alimentos para vida no campo ficar ainda melhor. E foi em 2013 que eles foram contemplados com uma cisterna de segunda água. Essas duas tecnologias foram apresentadas pela fala da família para os visitantes. Seu Chico destaca que após a implementação das tecnologias, a vivência agroecológica permitiu que eles produzissem com mais saúde e afeto, “a gente é parceiro da terra e ela é também da gente”, comenta Seu Chico.

Água cinza - Nesse momento de grande partilha de saberes, também foi apresentada a tecnologia social para o reaproveitamento da água já utilizada. Chamado "Reúso de Águas Cinzas”, o projeto é executado pelo Instituto Antônio Conselheiro (IAC) e nasceu através da articulação com Fórum Regional pela Vida no Semiárido (FCVSA) com a Secretária do Desenvolvimento Agrário (SDA) do Governo do Ceará. O FCVSA representa a Articulação Semiárido (ASA) no estado.

O anfitrião comenta que o reúso se faz com a coleta das águas do banho, da lavagem de roupa e de louça, as chamadas águas cinzas, que são direcionadas a um filtro com camadas de materiais físicos e biológicos. Ele explica que, após essa água passar pelo filtro, é armazenada no tanque de reúso e está apta a ser utilizada para irrigação. Desta forma, o líquido antes desperdiçado, agora é tratado e utilizado para irrigação de fruteiras, hortaliças e plantas medicinais nos arredores das residências, os chamados quintais agroecológicos que fornecem alimentos diversos para o preparo das refeições diárias.

Essa água reforça o sistema produtivo das famílias que garante a sua segurança alimentar e nutricional e ainda gera renda a partir da venda dos alimentos excedentes que são comercializados em vários espaços, como nas Feiras Agroecológicas realizadas pelo IAC. A família de seu Chico e dona Antônia participa de uma delas.

O trabalho produtivo desta família serviu de inspiração para os visitantes africanos(as). Em uma só propriedade, foi possível perceber que a convivência com o Semiárido é o conjunto de ações e conhecimentos que se complementam e se reforçam. E tudo isto é construído através de relações afetivas na família e com a terra, alimentadas pela agroecologia.