Saber popular
22.02.2019
O saber e a cultura que curam

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Por Elka Macedo - ASACom

Ancestralidade, identidade e vida em comunidade marcam o dia a dia em Chico Gomes | Foto: Francisco Jefferson /arquivo ASA

“Sabedoria é capim que cheira sempre à ciência; no canteiro verde da alma nasceu o meu alecrim”. Foi ao som desta e de outras cantigas e de uma roda de benção que a comunidade Chico Gomes, no Crato (CE) recebeu na manhã desta quarta-feira, 13, o grupo com cerca de 15 agricultoras e agricultores experimentadores que estão participando do V Encontro de Agricultoras e Agricultores Experimentadores. Eles e elas foram acolhidos pelas meizinheiras, Maria da Penha e Maria Juraci (Dona Iraci) e o grupo cultural “Arte vida Urucongo”, vida e arte. No recém-construído espaço de saúde, localizado no sopé da chapada do Araripe foram sendo costuradas as histórias da comunidade, do Grupo e das meizinheiras. Nada está desconecto. Ora o urucongo fortalece as meizinheiras, ora as meizinheiras inspiram o urucongo.

“A gente criou o grupo Urucongo pra curar as dores da nossa comunidade. O grupo revitalizou cânticos e danças que estavam adormecidas e trabalha a auto-estima, o desejo de estar aqui e enxergar a beleza deste lugar”, explica um dos idealizadores e membro do Urucongo, Manuel Leandro. Já Roseli dos Santos Silva, meizinhera aprendiz e também membro do grupo destaca que a valorização do saber das “meizinhas” tem possibilitado o resgate e tem contribuído para que os jovens e as jovens reconheçam e se interessem por fortalecer este conhecimento. “Com as meizinheras a gente aprendeu que a cura vem mais do que de um remédio, mas ela vem do cuidado com o outro”.

Na comunidade, a ancestralidade, a vida em comunidade, a identidade com o lugar e a valorização do saber são fortalecidas e vivenciadas por todos/as. Ao falar sobre a importância das meizinheiras, Manuel Leandro salienta que “elas são a chave para o nosso saber e são fundamentais para a nossa música, poesia e para o projeto de sociedade que a gente deseja”.

Encantados pela mística do lugar e pela experiência partilhada, as agricultoras e os agricultores visitantes trocaram saberes e rememoraram as curandeiras e benzedeiras das suas comunidades. Relataram histórias de cura através das plantas e da fé e compartilharam o poder de cada erva. “Malva-do-reino é mais cicatrizante do que o mastruz”, disse Dona Iraci. “Eu curei uma hérnia com uma planta chamada bom-nome”, confidenciou o guardião de sementes, Sebastião Damasceno, que veio de Alagoas. E assim a conversa foi se desenrolando, e como é comum nos terreiros e quintais do Semiárido os saberes foram sendo acolhidos e anotados para serem repassados.

Na prosa que trouxe também os desafios enfrentados, entre eles, o da garantia da terra, muitos/as agricultores/as se reconheceram na mesma luta, é o caso da quilombola Elaine Lima, que mora no município pernambucano de Flores. “A gente vive longe, mas luta pelos mesmos ideais. A gente precisa se alimentar um das lutas dos outros. A gente também tem nossa luta pelo território e de certa forma, a gente está interligado. Depois desse encontro, volto mais fortalecida para animar meu povo. É uma missão estar aqui”, refletiu.

Para fazer o enfrentamento deste e de outros desafios, Manuel Leandro lembra que a arte ajuda a comunidade a entender e lutar. “A arte é ferramenta de luta e de cura para nós e a poesia é instrumento para que a gente expresse o que a gente sente”, finaliza.