Entrevista
23.05.2019
Qual a reverberação da Década da Agricultura Familiar, da ONU, no Brasil que assiste a um desinvestimento neste campo?
Valquíria Lima, uma das representantes da ASA no seminário de três dias de lançamento da Década, reflete sobre a influência desta diretriz da ONU para o mundo, o país e o Semiárido brasileiro

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Por Verônica Pragana - Asacom

Arte da Década da Agricultura Familiar

Na semana que vem, o fortalecimento da agricultura familiar camponesa pelos países de todos os continentes mundo se transformará numa meta da Organização das Nações Unidas (ONU) por um longo prazo. Da segunda a quarta-feira (27 a 29), a ONU realiza, em Roma (Itália), um seminário para lançar a Década da Agricultura Familiar (2019-2028), que prevê diretrizes e planos de ação que valorizam a prática e os saberes dos campesinos e campesinas.

"Colocar a agricultura familiar e todos os modelos de produção baseados na família no foco das intervenções por um período de dez anos contribuirá para um mundo livre da fome e da pobreza, onde os recursos naturais são manejados sustentavelmente e onde ninguém é deixado para trás - o que corresponde a os principais compromissos da Agenda 2030", anuncia o documento da ONU sobre a Década da Agricultura Familiar.

Quando a ONU propõe para lideranças políticas dos 193 países-membros, inclusive o Brasil, que enxerguem na agricultura familiar um caminho para superar questões complexas e urgentes, como a fome, a pobreza e a degradação dos recursos naturais, significa que uma força mundial se ergue no planeta para ir de encontro à força oposta do agronegócio, que visa o lucro e concentra renda em detrimento da sustentabilidade ambiental e social do planeta.

Neste momento em que o Brasil atravessa de desidratação das políticas públicas voltadas para a agricultura familiar, qual a reverberação que esta voz de alcance mundial trará para o Brasil? E qual o impacto desta determinação da ONU poderá provocar no Semiárido, região que concentra a maior quantidade de campesinos e campesinas no país?

Sobre estas questões, conversamos com Valquíria Lima, da coordenação executiva nacional da ASA pelo estado de Minas Gerais.
Valquíria, junto a Alexandre Pires, também da coordenação executiva nacional por Pernambuco, Antônio Barbosa, coordenador de dois programas da ASA, e Fernanda Cruz, coordenadora da Assessoria de Comunicação, estarão presentes no seminário de lançamento da Década a convite da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).

Os representantes da ASA também participarão, na sede da ONU, de uma agenda paralela sobre os intercâmbios entre três regiões semiáriadas do mundo: o Semiárido brasileiro, a região de Sahel, no norte do continente africano e o Corredor Seco, uma região que abrange os territórios da Guatamela, El Salvador e Honduras, na América Central. Os intercâmbios foram realizados no ano passado e algumas atividades ainda estão em andamento.

Confira a entrevista!


Asacom - O que esta Década da Agricultura Familiar diz para o mundo quando atravessamos um esgotamento dos recursos naturais, inclusive a partir do uso excessivo dos agrotóxicos em lavouras de todos os continentes, especialmente, na América Latina?

Valquíria Lima | Foto: Gleiceani Nogueira/Arquivo Asacom

Valquíria - Nesse contexto que estamos vivendo de mudanças climáticas extremamente acentuadas, uso extensivo de agrotóxicos, mecanização na produção de alimentos, nunca se produziu tantos alimentos ao mesmo tempo a fome não para de ser uma realidade no mundo. Essa década da agricultura familiar fala da importância do fortalecimento dos agricultores e agricultoras familiares campesinos no mundo inteiro porque são eles e elas que têm a dimensão da sustentabilidade da produção de alimentos, não apenas para sua sobrevivência e pra sobrevivência da sua família, do seu território, da sua comunidade, mas também pelo uso racional dos recursos naturais que deles dependem a sustentabilidade da sua produção. Ela [a Década da Agricultura Familiar] também reafirma necessidade de colocarmos no debate do desenvolvimento a soberania e a segurança alimentar dos povos. Isso é muito importante pra que a gente se contraponha a esse modelo de produção de alimentos degradador insustentável e onde apenas o lucro é o que importa no final do processo. Então essa década reafirma a importância da produção feita por esses agricultores e agricultoras no mundo inteiro.


Asacom - No contexto nacional, quando as políticas públicas para o fortalecimento da agricultura familiar se desidratam, o que significa o lançamento desta década dedicada à agricultura familiar pela ONU?

Valquíria -No contexto nacional é mais uma porta de entrada pra nossa incidência política, pra que a gente mostra a importância pro Estado brasileiro subsidiar e fortalecer a agricultura familiar, com programas de compra de aquisição de alimentos, com programas de comercialização de pequenas agroindústrias, com programas que incentivem a produção agroecológica, com programas que incentivem as sementes crioulas, com programas que pensem o fortalecimento da soberania e da segurança alimentar do povo brasileiro e dos povos que estão nos seus territórios. Acho que é muito importante a gente debater, no lançamento dessa Década da Agricultura Familiar, os resultados na qualidade da produção desses alimentos que realmente são os agricultores familiar que produzem para abastecer a população brasileira, a importância que a agricultura traz na agrobiodiversidade, na diversidade da produção dos alimentos, na preservação dos biomas e dos territórios. Eu acho que é politicamente uma força que fortalece a nossa incidência política, a nossa mobilização para cobrança do governo, da manutenção de programas de fortalecimento da agricultura familiar e camponesa, e pra que a gente dispute esse orçamento com o agronegócio e o hidronegócio. Sabemos que é uma luta desigual, mas nós nunca deixamos de lutar por ela.


Asacom - O documento elaborado pela ONU para apresentação do plano de ação desta década referencia osores e as ações da ASA para dão mais vigor às práticas das famílias agricultoras no Semiárido. Em que medida as recomendações da ONU fortalecem a ação da sociedade civil organizada que atua na defesa da agricultura familiar no Semiárido?

Valquíria - As ações que a ASA vem desenvolvendo são referencia pro mundo e elas não podem ser paralisadas no Brasil. Existe uma demanda muito grande de acesso à água às famílias do Semiárido brasileiro e nós, da Articulação Semiárido, vemos que esse documento é um fortalecimento a essa política pública e nós estamos inclusive internacionalizando essa luta, essa importância da continuidade dessas ações. Então ele vem a fortalecer a nossa incidência política dentro do Brasil e fora também, na internacionalização das nossas ações, das nossas referências, das conquistas, da melhoria da qualidade de vida das famílias através das políticas públicas de convivência com o semiárido.
As políticas de convivência com o Semiárido só foram possíveis serem realizadas pela Articulação do Semiárido porque existe agricultura familiar e camponesa no Semiárido brasileiro. Aliás, no Brasil, onde se encontra o maior número de agricultores e agricultoras familiares camponesas é no Semiárido.
Então, pensando nesses povos, nesses territórios, nessas populações que as políticas públicas de convivência com o Semiárido puderam ser implementadas, puderam dar resultados significativos na melhoria da qualidade de vida dessas famílias, no acesso à água ao consumo humano e na produção de alimentos.
Então ela [a Década] fortalece a nossa luta e a nossa incidência política inclusive nos debates e nas discussões com o governo sobre a necessidade da continuidade das politicas públicas de convivência com o Semiárido.