Agrotóxicos
30.08.2019
Brasil consome 20% dos agrotóxicos altamente tóxicos do mundo, revela relatório
Pesquisa é fruto de parceria entre a ONG Suiça Public Eye, Fase e Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida.

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Por Nadine Nascimento

Wanderley Pignati, Alan Tygel e Fran Paula no lançamento do relatório na 18ª Jornada de Agroecologia, em Curitiba. Foto: Luiza Damigo

No Brasil, o maior consumidor de agrotóxicos do mundo, milhões de pessoas estão expostas a um coquetel de agrotóxicos altamente tóxicos. Este é um dos destaques do relatório “Lucros altamente perigosos”, elaborado pela ONG Suíça Public Eye.

A pesquisa revela o “impacto catastrófico” que agrotóxicos têm no meio ambiente e saúde humana. Estima-se que cerca 1,2 milhão de toneladas de agrotóxicos altamente perigosos são usados nos países de baixa e média renda todos os anos, representando um enorme mercado – cerca de US$ 13 bilhões.

A Syngenta é uma das empresas que ganham bilhões vendendo agrotóxicos altamente perigosos em países mais pobres. Dos 120 ingredientes ativos de agrotóxicos produzidos pela empresa, 51 não estão autorizados em seu país de origem, a Suíça; 16 deles foram banidos devido ao impacto à saúde humana e ao meio ambiente. Mas a transnacional continua a vendê-los em países onde as normas costumam ser mais fracas ou menos rigorosamente aplicadas, como é o caso do Brasil.

Especialistas da Organização das Nações Unidas (ONU) estimam um total de 25 milhões de casos graves de intoxicação, que resultam em 220.000 mortes por ano no mundo. Eles expressaram uma “preocupação grave” a respeito do impacto da exposição crônica a agrotóxicos, incluindo câncer, Alzheimer e Parkinson, alterações hormonais, disfunções de desenvolvimento, esterilidade e efeitos na saúde neurológica”

“É necessário denunciar o uso dos agrotóxicos como uma arma química. Temos que olhar para esses dados como um processo de extermínio da população mais pobre”, aponta categoricamente Francileia Paula de Castro, agrônoma e educadora da FASE, que também integra a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida.

A empresa suíça arrecadou sozinha aproximadamente US$ 3,9 bilhões com a venda de agrotóxicos altamente perigosos em 2017. No mesmo ano, cerca de 540 mil toneladas de venenos foram aplicadas no Brasil, por um valor de mercado de US$ 8,9 bilhões. Cerca de 370 mil toneladas de “agrotóxicos altamente perigosos foram pulverizadas nas plantações, o que representa aproximadamente 20% do uso mundial.

O país vem se configurando como o maior mercado da Syngenta, que também vende seus agrotóxicos nocivos na Argentina, China, Paraguai, México, Índia, Vietnã, Filipinas, Equador, Colômbia, Quênia e Gana, entre outros. Aproximadamente 25% dos países de baixa e média renda carecem de leis efetivas sobre a distribuição e uso de agrotóxicos, e cerca de 80% não possuem recursos suficientes para fazer cumprir as leis existentes relacionadas a agrotóxicos.

 

Gráfico 2

O toxicologista Dr. Peter Clausing explica esse uso maciço de agrotóxicos altamente perigosos em países de baixa e média renda como o resultado de dois principais componentes. “Um é que a inovação da indústria de agrotóxicos está estagnada, e o outro é que o crescimento é o ingrediente básico de uma economia capitalista. Como muitos agrotóxicos altamente perigosos foram proibidos na UE e também nos EUA, a maneira mais fácil de crescer é expandir os mercados para novas áreas geográficas com legislações fracas”, diz.

Água contaminada

As brasileiras e brasileiros estão expostos, ao beber água, a um coquetel de agrotóxicos que nunca foi testado, e cujos efeitos permanecem, em grande medida, desconhecidos.

Um conjunto de 454 municípios brasileiros, com uma população total de 33 milhões de pessoas, apresentou resíduos de agrotóxicos na água para consumo humano acima dos limites legais pelo menos uma vez durante o período de quatro anos, o que representa um quarto do total de cidades.

 

 

Dos 27 tipos de produtos encontrados, 16 são classificados como altamente tóxicos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e 11 associados à doenças como câncer, disfunções hormonais, doenças crônicas e malformação fetal.

A situação, ao que tudo indica, é ainda mais grave, já que o número de princípios ativos liberados no Brasil passa de 300 e só os 27 são testados na rede de abastecimento. “Provavelmente não existe um único cidadão neste país sem um certo nível de exposição a agrotóxicos”, diz Ada Cristina Pontes Aguiar, médica, professora da Universidade Federal do Cariri (UFC) e membro da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).

Os dados são do Ministério da Saúde e fazem parte do Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (Sisagua). Já investigação e sistematização das informações foram realizadas pela Public Eye, a ONG Repórter Brasil e pela Agência Pública e publicadas no primeiro semestre deste ano.

Quintal de agrotóxicos

A eleição de Jair Bolsonaro e a decorrente indicação de Tereza Cristina como ministra da Agricultura representou um agravo no quadro de envenenamento do país. Desde o início de 2019, foram liberados 290 registros novos produtos, com um ritmo de liberação mais alto já visto para o período. Do total, 44% são proibidos na União Europeia por apresentarem riscos à saúde e ao ambiente.

Na mesma linha está o novo Marco Regulatório de agrotóxicos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Dos 2356 produtos formulados com registros, 702 eram considerados “extremamente tóxicos”, esse número caiu para apenas 43, ou seja menos de 2%.

Para Tereza Cristina o registro de novos agrotóxicos não colocam a vida do consumidor brasileiro em risco. “Ninguém está pondo veneno no prato de ninguém. Consumidor nenhum brasileiro está sendo intoxicado” declarou a ministra.

 

Os agrotóxicos listados pela Rede de Ação Contra Agrotóxicos (PAN na sigla em inglês para Pesticide Action Network) como “altamente perigosos” representam cerca de 30% dos 1.000 ingredientes ativos de agrotóxicos disponíveis no mundo todo. Segundo a FAO e a OMS, agrotóxicos “que são reconhecidos por apresentarem níveis particularmente altos de perigo agudo ou crônico à saúde ou ao meio ambiente” devem ser considerados “agrotóxicos altamente perigosos”.

E agora é amplamente reconhecido, inclusive entre agências da ONU e instituições internacionais de saúde pública, que esses “agrotóxicos altamente perigosos” devem ser eliminados gradualmente e substituídos por alternativas mais seguras, a fim de reduzir os riscos para a saúde humana e o meio ambiente.

A versão em português do relatório “Lucros altamente perigosos” foi lançado pela Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida nesta quinta-feira (29), às 15h, na aula pública “O envenenamento do povo brasileiro – impactos dos agrotóxicos à saúde”. A atividade integrou a 18ª Jornada de Agroecologia, que acontece em Curitiba de 29 de agosto a 1º de setembro. O lema deste ano é “Terra Livre de Transgênicos e Sem Agrotóxicos, Cuidando da Terra, Cultivando Biodiversidade e Colhendo Soberania Alimentar, e Construindo o Projeto Popular para a Agricultura! ”.

Em 2017, cerca de 540 mil toneladas de venenos foram aplicadas no Brasil, por um valor de mercado de US$ 8,9 bilhões. Cerca de 370 mil toneladas de “agrotóxicos altamente perigosos foram pulverizadas nas plantações, o que representa aproximadamente 20% do uso mundial. Desde o início de 2019, foram liberados 290 registros agrotóxicos no país. Destes 44% são proibidos na União Europeia por apresentarem riscos à saúde e ao ambiente”, destaca Francileia Paula de Castro, agrônoma e educadora da FASE, que também integra a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida.

A Organização das Nações Unidas para Alimentação (FAO) e a Organização Mundial da Saúde (OMS) estão entre as instituições que recomendam que os agrotóxicos altamente tóxicos sejam eliminados gradualmente e substituídos por alternativas mais seguras.