Acesso à Terra
06.09.2019 RN
Chapada do Apodi: direitos humanos, conflitos e resistência socioambiental

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Por Maciana de Freitas e Souza- Bacharela em serviço social pela UERN,pós graduada em Saúde Pública

Reunidos em Apodi (RN) para defender a rede de economia solidária, a agroecologia e a democratização da água e da terra | Foto: Ellen Dias

De 2 a 4 de setembro, realizamos o Seminário Encontro de Saberes: Comunidades camponesas e academia construindo a resistência na Chapada do Apodi.  O evento foi idealizado pelo sindicato dos trabalhadores rurais e a Comissão Pastoral Regional Nordeste 2, no município de Apodi, para discutir a conjuntura e construir estratégias frente ao avanço das empresas do agrohidronegócio na região.

O evento teve como objetivo central analisar a questão da luta pela terra e a agricultura familiar enquanto projetos democráticos que construíram respostas concretas para a população bem como apresentar os rebatimentos que o agronegócio tem oferecido. Defender a rede de economia solidária, a agroecologia, a democratização da água e da terra não é apenas questão de militância, mas de reconhecimento de seu significado e importância.

Os processos na chapada do Apodi se situam em um contexto amplo de extinção de políticas de proteção social e de fomento de condições dignas de vida para os povos campesinos. A política que vem sendo apresentada claramente desde 2012 com a criação do perímetro irrigado conhecido como “perímetro da morte” tem como perspectiva a implantação de grandes e médios empreendimentos do agronegócio no território.

O que isso significa? Que está sendo adotada uma prática de produção voltada à exportação na qual não são priorizadas a garantia da dignidade humana, a promoção da justiça social e o respeito aos direitos dos povos locais. Desse modo, a terra bem como água têm sido tratadas como mercadorias, sem considerar os danos e rebatimentos que essa exploração proporciona para o meio ambiente e a saúde humana.

As ações vigentes são desenvolvidas sem levar em conta o interesse das comunidades locais. O professor Carlos Walter Porto-Gonçalves, da Universidade Federal Fluminense (UFF), fez uma fala que sintetiza o que já está em curso, enquanto lógica e enquanto prática, que é atuação do empresariado com o Estado, por outro lado temos o desmonte ao direito à terra/território das populações locais e riscos ambientais para a presente e as futuras gerações. O cenário mais provável para os próximos anos e, cada vez mais, confirmado com a composição do governo federal, é de retrocessos enormes em termos de direitos humanos e de impossibilidade de construção de políticas públicas nesse sentido.

A política agroexportadora em curso vem ocasionando também redução da qualidade de vida e produtividade nas comunidades. Esses dados evidenciam que o modelo de desenvolvimento agrário tem contribuído apenas para a expansão do grande capital, por outro lado, podemos notar o aumento de pessoas afetadas pelos agrotóxicos dessas empresas instaladas bem como impactos no Aqüífero Jandaíra.  Desse modo, fica nítido que o agronegócio não possui uma lógica de atenção que abrange as muitas dimensões da experiência humana na relação com o tecido social. Seu objetivo é o aumento de lucro.

Pesquisas realizadas apontam o crescimento não só da contaminação da água como também de pessoas com sérios problemas de saúde decorrentes dos fertilizantes químicos.  Desse modo, enquanto fenômeno, a questão da saúde precisa ser entendida e tratada de modo multidimensional. Segundo a professora Raquel Rigotto da UFC, é evidente que o processo de adoecimento tem profundas conexões sociais. O cenário ilustra um aumento significativo do número de pessoas afetadas com a exposição e ao mesmo tempo sugere a possibilidade de crescimento no território, tendo em conta a flexibilidade no controle de agrotóxicos pelas agências estatais, portanto é necessário compreender a saúde e sua relação com a dinâmica social.

Por último, vale notar que realizamos visitas aos assentamentos rurais na chapada do Apodi na qual predomina o modelo agroecológico, saindo dos assentamentos passavam diante dos nossos olhos a extensão de uma das empresas instaladas. Bolsões enormes de lixo tóxico, terrenos tomados pelo agronegócio, instalações para os trabalhadores que estão inseridos numa jornada de trabalho integral, poços perfurados para fruticultura irrigada e íamos também vendo as pessoas que nessas condições trabalhavam. O autoritarismo e a violência no campo enquanto gestos da sociedade brasileira sempre estiveram presentes, agora estão, mais visíveis atingindo corpos que antes não lidavam em seu cotidiano com isso.

Desse modo, fica nítido que a luta pela reforma agrária e pela defesa dos recursos hídricos é de fundamental importância para a soberania alimentar e para o desenvolvimento social e justo que almejamos, com vistas a efetivação de serviços e direitos sociais ao povo do campo. É fato que o modelo do agronegócio tem promovido desigualdades e violações de direitos humanos, como também tem apresentado impactos ao meio ambiente colocando em risco a biodiversidade em favor do crescimento econômico. Além do mais, vem dificultando cada vez mais as possibilidades de resistência de quem está na luta há muito tempo, luta que une saberes e vivências pra re(existir) às reincidentes forças do capital.

Por fim, com este cenário político, acrescentaria neste relato que dificilmente por parte do poder estatal constituído teremos avanço na construção de políticas públicas afirmadoras de cidadania. Teremos anos difíceis pela frente, será preciso muita resistência e esperança, nosso desafio e tarefa será manter viva a luta pela reforma agraria, que está para além dos assentamentos e o modelo agroecológico.

Ao desmonte das políticas públicas vamos precisar responder com a ampliação da nossa capacidade de organização, fortalecendo instituições de luta e de resistência em prol da implementação de políticas de sustentabilidade e de manejo dos recursos renováveis. Ao manter essa utopia viva precisamos lembrar das palavras do escritor Eduardo Galeano: “Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar”. Para que sigamos lutando pelo cuidado dos nossos e dos sonhos dos outros, da democracia de todos.