Territórios Sustentáveis
29.04.2022
“Era uma área sem vida, agora, é produtiva”, afirma Letícia Bispo, agricultora do assentamento de Reforma Agrária Modelo, no Semiárido sergipano
Enquanto dados chamam atenção para o desmatamento, que já atinge 40% da Caatinga, e alertam para a urgência de recuperar vegetação em bacias hídricas; no estado de Sergipe, Assentamento de Reforma Agrária mostra que é possível dar vida nova ao bioma

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Letícia Bispo, jovem agricultora, que participou da construção da Urad, caminha orgulhosa pela área, hoje, recuperada - Foto: reprodução vídeo Daki Semiárido /Agência Barong

Neste semana em que se celebra o Dia Nacional da Caatinga, enquanto pesquisadores acendem o alerta para o desmatamento crescente, famílias agricultoras do Semiárido brasileiro mostram que é viável devolver a vida ao bioma. Um estudo realizado pelo Centro de Pesquisas Ambientais do Nordeste (Cepan), em parceria com a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), afirma que 40% da Caatinga foi desmatada e ocupada por atividades de agricultura e pastagem. Outros 20% encontram-se em processo suscetível à desertificação. 

Outro estudo alerta para a importância de recuperar, o quanto antes, essas áreas degradadas. Segundo mapeamento das Universidades do Rio Grande do Norte (UFRN) e de São Paulo (USP) e do World Resources Institute (WRI-Brasil), 938 bacias do Semiárido devem ser priorizadas no processo de recuperação. A Chapada Diamantina, na região Oeste da Bahia, deve receber uma atenção especial, devido a sua grande diversidade. 

No assentamento de Reforma Agrária Modelo, localizado no município de Canindé de São Francisco, no Semiárido sergipano, graças a uma mobilização coletiva, a Caatinga voltou à vida com a implementação de uma Unidade de Recuperação de Áreas Degradadas (Urad). Resultado da parceria entre famílias agricultoras e o Centro Dom José Brandão, organização membro da ASA, tendo as mulheres como protagonistas, a experiência, distribuída em três eixos: social, ambiental e produtivo, fez da área, antes, improdutiva, habitada por diversas espécies da fauna e flora.

Na unidade, que mede 5 hectares, foram implementadas tecnologias para contenção e recuperação das áreas afetadas pela erosão. ”A Barragem Base Zero foi construída nas voçorocas com o intuito de barrar o sedimento do solo, que media 80 cm de altura.”, explica José Egídio, técnico do Centro Dom José Brandão e assessor da comunidade. 

Na área foi construído um açude, mas, antes disso, foi construída outra barragem de Base Zero, com o objetivo de evitar o assoreamento. “Em termos de resultados alcançados, no eixo ambiental, podemos dar destaque à recuperação da área degradada, a partir da regeneração natural da Caatinga, maior infiltração de água no lençol freático e, com isso, aumento do volume e vazão de água nas nascentes que abastecem o rebanho bovino dos agricultores, bem como animais silvestre”,  destaca José Egídio. 

Na contramão - Se na Urad do Assentamento Modelo a recuperação da vegetação aumentou a reserva hídrica das nascentes, em toda a extensão do Semiárido, a realidade é bem diferente. Ainda segundo o estudo, em todo o Semiárido, 43,23% das Áreas de Preservação Permanente (APPs) foram ocupadas por atividades agropecuárias ilegais. Na prática, apenas 50, 03% têm cobertura. Sem a vegetação, o solo cede e pode assorear rios e nascentes, reduzindo a vazão ou secando as únicas reservas hídricas da região.

 

Ana Cristina mostra o Eco Fogão, uma das tecnologias sociais implementadas no eixo social da Urad - Foto: reprodução vídeo Daki Semiárido Vivo/ Barong

Outras tecnologias - Através de um cordão de pedra, instalado no início da formação erosiva, busca-se conter a formação das voçorocas. Junto com essas tecnologias, foram definidas áreas de preservação, que deixaram de ser manejadas, passando a receber apenas os cuidados ambientais adequados. “Não adianta fazer apenas uma Barragem de Base Zero, o resultado é proveniente de um conjunto de ações de preservação e recuperação da área, além do manejo adequado do solo”, alerta José.

No eixo social, as famílias foram equipadas com tecnologias sociais de baixo impacto ambiental, a exemplo de cisternas, banheiros e eco fogões. Ao fazerem captação da água da chuva, as cisternas permitem o uso de água livre da grande quantidade de componentes químicos usados no tratamento da água corrente fornecida via rede de abastecimento. Para garantir autonomia ao longo de oito meses, as famílias são capacitadas a fazer uso racional da água e evitar o desperdício. 

No eixo produtivo, as famílias aprenderam a realizar o plantio consorciado de espécies como milho, feijão, palma, abóbora e melancia. “Antes [os/as agricultores/as] plantavam uma tarefa só de palma, hoje, aprenderam a consorciar a produção”, explica a agricultora e moradora do assentamento Letícia Bispo. 

 

Cordão de Pedra implementado na área para conter a erosão - Foto: reprodução Daki Semiárido Vivo/Barong

O que fazer com este conhecimento? “A gente, pro futuro, espera continuar com isso, ensinar aos mais novos, e espera que venha novos ensinamentos”, afirma o agricultor Edvar Alves, um dos envolvidos com a criação da Urad. O pensamento de Seu Edvar é a tônica da ação em rede Daki Semiárido Vivo, que visa sistematizar experiências como essas e abordá-las em atividades formativas, com o objetivo de multiplicar o conhecimento sobre agricultura resiliente ao clima.

Neste momento, o Daki realiza o seu primeiro Programa de Formação, que reúne mais de três mil agricultores (as), oriundos de três regiões semiáridas da América Latina, além do próprio Semiárido brasileiro, as regiões do Gran Chaco argentino e do Corredor Seco de El Salvador. Algumas experiências foram abordadas em estudos de caso e outras tiveram os seus resultados apresentados em vídeos. Aqui, você pode conferir o vídeo da Urad no Semiárido sergipano. 

As ações do Daki são geridas pelas organizações Associação Programa Um Milhão de Cisternas (AP1MC), personalidade jurídica da ASA, a Fundação para o Desenvolvimento em Justiça e Paz (Fundapaz), sediada na Argentina, e a Fundação Nacional para o Desenvolvimento (FUNDE), que fica em El Salvador e têm o financiamento do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (Fida).