Participação Social
22.12.2022
O que esperar da participação social no Governo Lula? Movimentos sociais avaliam momento de transição
Representações de diversos segmentos da sociedade colaboraram na construção de proposições e debates acerca dos mecanismos de participação e controle social

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Por Érica Daiane | ASACom

Foto: Ricardo Stuckert

Desde o mês de novembro, dias após as eleições presidenciais, o país vive uma movimentação política devido ao processo de transição do Governo Bolsonaro para o Governo Lula. Organizações sociais e pessoas de referência no cenário político regional e nacional foram chamadas a colaborar com a equipe de transição, através de Grupos de Trabalho (GT’s), com o objetivo de mapear a situação que está sendo deixada pela atual gestão e apontar caminhos para o novo presidente que será empossado no próximo dia 1º de janeiro, conforme estabelece o Decreto 7221/2010.

A inserção de pesquisadores/as, técnicos/as, ativistas, artistas nesses GT’s animou os setores progressistas da sociedade, que, inclusive, se envolveram de forma intensa na eleição do presidente Lula. “Penso que dois sentimentos são os centrais nesse processo de transição, a animação e a esperança”, identifica Michela Calaça, da Coordenação Nacional do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC) e da Via Campesina, que integrou o GT de Desenvolvimento Agrário.

“A animação de ver que uma campanha que foi extremamente participativa, militante, também se expressou no processo de transição. O papel da transição é saber o que o governo atual tem construído de política pública em cada área, o que encontramos é o que os movimentos sociais já denunciavam: a fome nesse país é um projeto. O governo abandonou políticas estruturantes para produção de alimentos e defesa dos territórios, colocando nosso país inteiro submetido a alta nos preços dos alimentos e milhares submetidos à fome e insegurança alimentar”, enfatiza Michela.

A Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) também vem participando deste processo e considera fundamental para iniciar um novo ciclo no país, “que, desde o Golpe contra a presidenta Dilma, experimentou vários anos seguidos de não participação social, de destruição dos espaços de participação popular” na formulação e acompanhamento das políticas públicas, explica Cicero Felix, da coordenação nacional da ASA.

A transição foi instituída pela Lei 10.609/2002, que prevê seu início dois dias úteis após a definição da/do presidente/a, encerrando 10 dias após a posse. Nesse período, são criados cargos especiais, grupos de trabalho, realizadas reuniões, seminários, entre outras atividades, além de construção de documentos com proposições, relatórios, etc.

Cícero Felix em reunião com o presidente Lula e demais membros do Conselho de Participação

No processo de transição de 2022, foi instituído o Conselho de Participação Popular do Gabinete de Transição Governamental (Art. 4º, V, c/c art. 22-A, da Portaria nº 1), que conta com assentos dos movimentos sociais e populares ocupados por diversos segmentos, os quais já se reuniram com Luiz Inácio Lula da Silva na semana da diplomação do mesmo enquanto novo presidente do Brasil. Cícero adianta que as organizações e movimentos populares, como a ASA, tem defendido que quer “participar, ativa e efetivamente, da formulação, da concepção, da execução, do monitoramento e avaliação das políticas públicas que interessam aos povos do Semiárido brasileiro, que interessam à garantia de condições de vida digna nessa região tão importante desse país”.

A agricultora Roselita Vitor da Costa, que há 17 anos é assentada da Reforma Agrária na região do Polo da Borborema, na Paraíba, também espera que a sociedade civil possa ter suas expectativas correspondidas nesse novo momento político do Brasil. Ela cita avanços que vinham acontecendo, como a democratização do acesso à água, para beber e plantar, destacando a importância de tecnologias, a exemplo das cisternas, especialmente para as mulheres, e a produção de alimento sem veneno e mais barato.

Outro aspecto que também integra a lista de expectativas das famílias agricultoras é a retomada da valorização das sementes nativas, crioulas ou sementes da paixão como vem sendo chamadas em alguns lugares. Roselita não esquece de pontuar uma necessidade essencial para que outras políticas cheguem: “como que a gente avança rompendo as cercas que ainda marcam a vida das pessoas no Semiárido brasileiro?” A liderança da coordenação política do Pólo da Borborema se refere à urgência de avançar na reforma agrária, no fortalecimento dos assentamentos e acesso à terra para produzir alimentos e garantir a biodiversidade dos biomas, a exemplo da Caatinga, que só existe no Semiárido brasileiro. O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) também precisam ser retomados e fortalecidos, espera a agricultora.

Para o professor Wagner Romão, da Universidade Estadual de Campinas, a própria existência do Conselho de Participação e dos cerca de 30 GT’s já configura uma grande sinalização para a existência de um governo democrático popular. O pesquisador, que integra o Conselho representando a Rede Democracia e Participação, avalia positivamente os resultados apresentados ao presidente, os quais foram construídos a partir dos seguintes eixos: fortalecimento dos movimentos sociais considerando sua capacidade de implementar políticas públicas; manutenção do diálogo a partir de mecanismos de participação como conselhos, conferências, fóruns, etc; e orçamento participativo nacional, um mecanismo de maior transparência e democracia na definição do orçamento público em nível federal, o que foi considerado uma novidade.

Além do Conselho de Participação Social, os diversos Grupos de Trabalho também contaram com ampla participação da sociedade civil organizada. Michela Calaça, relembra a participação no GT de Desenvolvimento Agrário: “foi um grato processo de trabalho coletivo e de amor pelo país, pela agricultura familiar e camponesa, todos os integrantes tinha na agroecologia e no respeito a diversidade do campesinato brasileiro sua linha orientadora dos trabalhos”.

Para o MMC e para as camponesas em geral, de acordo com Michela, este momento representa “a possibilidade real de, além de colocar o povo no orçamento, colocar o povo na condução do poder executivo (…), retomar o que tínhamos e avançar para algo mais adequado a realidade atual, tornar a reconstrução do Brasil um processo coletivo”.

A participação social no Brasil tem se dado de diversas formas em nível federal, estadual e municipal, sendo impulsionada quando se trata de governos com viés progressista e que, de fato, consideram importante o envolvimento da população nas decisões políticas. Ainda assim, há uma série de urgências a serem colocadas em prática, a exemplo do aperfeiçoamento de mecanismos como conferências, funcionamento pleno de conselhos, construção de Programas de Governos para além dos interesses eleitorais e de Planos PluriAnuais, entre outras formas de participação e controle social.

Nesse momento histórico, contudo, os movimentos sociais encerram 2022 com o sentimento de renovação da esperança, apesar de estarem cientes de que não será fácil promover grandes mudanças em um cenário tão conservador, especialmente do legislativo. “Temos essa expectativa de que avançaremos na construção de um Semiárido cada vez mais digno, de um Semiárido forte e que a gente continue avançando, protagonizando conhecimento, luta e igualdade”, externa Roselita. Cícero reforça a importância de ocupar esses espaços estratégicos e assim vivenciar o sentimento da esperança no sentido de esperançar e não apenas esperar: “Ocupar esse espaço é fundamental para garantir que o Semiárido brasileiro possa ser ouvido enquanto povos que se organizam, que lutam e que conquistam, que viabilizam direitos”.