Por Sara Brito | ASACOM
Os programas construídos pela Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) para garantia de acesso à água no Semiárido não são somente sobre a implementação de tecnologias sociais, como as cisternas. Essas iniciativas envolvem uma metodologia atravessada pelos princípios e pautas que impulsionam as mais de 3.000 organizações sociais que formam a rede ASA. O Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2), que contribui para o acesso à água para produção de alimentos e criação de animais, por exemplo, tem como um de seus componentes a Produção Agroecológica.
Este componente do P1+2 tem como objetivo contribuir para aprofundar e compreender as dinâmicas sociais e produtivas dos agroecossistemas familiares. Para que daí então possam ser elaborados e executados projetos produtivos com base agroecológica condizentes e verdadeiramente sustentáveis para as famílias do Semiárido. Nessa perspectiva, a primeira atividade do componente Produção Agroecológica é o Diagnóstico do Agroecossistema, ou seja, uma avaliação da área onde as famílias vivem e produzem, para que, em seguida, seja definido junto à família o projeto produtivo ideal, e como será investido o fomento que os beneficiários do programa irão receber.
“A proposta do fomento, da metodologia do Diagnóstico e do projeto produtivo é que primeiro a gente tem que entender a trajetória da família dentro desse agroecossistema, para então poder fazer um projeto produtivo que dialogue com a realidade dela. Porque não adianta, por exemplo, eu fazer uma horta para uma família que trabalha com animais de pequeno porte”, explica Juliana Lins, assessora técnica do P1+2. “O diagnóstico é todo trabalhado para oferecer subsídios tanto para a família quanto para a equipe técnica para chegarem no projeto produtivo mais alinhado ao perfil daquele núcleo familiar”, afirma.
Com o objetivo de explicar e fortalecer a metodologia da construção do Diagnóstico de Agroecossistema, o P1+2 está realizando um ciclo de Capacitações sobre esta atividade. A formação é destinada às equipes técnicas das organizações sociais responsáveis pela execução desta etapa do Programa, financiado pelo Governo Federal, por meio do Ministério do Desenvolvimento Social, Família e Combate à Fome (MDS). O cronograma de encontros começou em janeiro deste ano, no Crato (CE), Limoeiro (CE) e Pedro II (PI). O ciclo de formações acontece ainda neste mês de fevereiro em Juazeiro (BA) e em março, no estado de Minas Gerais.
Sérgio Olinda da Silva, da equipe técnica da organização Elo Amigo, da ASA Ceará, participou da Capacitação em Construção de Diagnósticos de Agroecossistema realizada em Pedro II (PI). “Eu sou marinheiro de primeira viagem, estou começando agora e achei que foi riquíssimo. Eu aprendi muito, a oficina vai nos ajudar ainda mais com a execução do projeto. Abri minha mente com essa questão do chegar na família, de saber conversar de uma forma que traga ela para o projeto no sentido de ela se abrir e expor sua ideia também, seu pensamento”, comenta Sérgio.
Construção colaborativa
Durante a Capacitação, Sérgio visitou a família de Lúcia Maria Pereira e Francisco de Assis Alves, na comunidade indígena de Nazaré, município de Lagoa de São Francisco (PI). A visita a algumas famílias dentro da programação das Capacitações permite a aplicação prática da metodologia do Diagnóstico de Agroecossistema. Com o objetivo de conhecer a estrutura familiar e produtiva e como se dá a gestão para o funcionamento do agroecossistema, o Diagnóstico é realizado através do diálogo e da aplicação de ferramentas em conjunto com a família como, por exemplo, a Travessia na propriedade, a construção da linha do tempo do agroecossistema e do mapa da propriedade.
Dona Lúcia e Seu Francisco, apesar de possuírem uma pequena área, têm uma produção diversificada, com cultivos de hortaliças, um pomar, criação de galinhas e uma verdadeira farmácia viva com plantas medicinais. O casal que produz, principalmente, para o autoconsumo da família e faz doações para vizinhos e amigos, será beneficiado com a construção de uma cisterna de 52 mil litros na propriedade.
“O pessoal quando precisa vem aqui buscar”, disse Dona Lúcia sobre as plantas que estão disponíveis como medicina para toda a comunidade. A organização comunitária se mostrou visível no diálogo com a família - além do que há em sua propriedade, os agricultores ainda acessam a horta comunitária, pescam em um tanque comunitário, além de um coqueiral onde Dona Lúcia vai com outras mulheres pegar o côco babaçu, que ela beneficia e produz azeite e leite. “Eu vou pegar côco, eu adoro ir, para não ficar só em casa. É uma paz lá, ficar no meio da natureza”, conta ela.
Para além da produção, olhar quem produz
O Diagnóstico do Agroecossistema tem também uma proposta pedagógica, é o “raio-x” da propriedade mas também o momento em que as famílias podem olhar de outro ângulo para a sua produção e construir a sua visão sobre sua própria história. Dona Lúcia contou que vendeu, só no último ano, 130 kg de galinha para o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos, em que o Governo Federal compra alimentos produzidos pela agricultura familiar e destina às pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional). Durante o processo do diagnóstico, com a construção do mapa e da linha do tempo onde precisou detalhar a sua produção, ela percebeu que precisava anotar essas vendas, que não estavam registradas.
“O Diagnóstico é atravessado por questões presentes no nosso trabalho, como a questão de gênero. Entender que o que a mulher faz na roça, na horta, na criação de animais, não é ajuda, é trabalho. A construção do mapa do agroecossistema precisa visibilizar o trabalho das mulheres”, afirma Juliana Lins. Além do Diagnóstico, as outras atividades do P1+2 também buscam pautar a defesa de direitos, como por exemplo a divisão justa do trabalho doméstico, que é um dos pontos abordados com as famílias atendidas no curso GAPA (Gestão de Água para Produção de Alimentos).
Com o diagnóstico realizado, a família e a equipe técnica tem elementos para construir o projeto produtivo a partir dos desejos daquele núcleo familiar. O projeto produtivo será implementado com o fomento que cada família irá receber, no valor de R$ 4.600, e que será acompanhado ao longo do projeto. O Programa Fomento Rural, do MDS, existe desde 2011 e está em parceria com o Programa Cisternas nesta retomada.
Ana Maria Mesquita, coordenadora de Apoio ao Fomento Produtivo Rural, do MDS, participou da Capacitação para Construção de Diagnóstico de Agroecossistema realizada em Pedro II (PI). A representante do Governo Federal esteve presente para pactuar os fluxos dos procedimentos, aprender sobre as metodologias aplicadas em campo e repassar informações sobre os Programas do MDS. “Eu achei incrível a atividade. Foi muito recompensador ver o comprometimento das equipes de campo e o quanto a metodologia de trabalho que vocês adotam é bastante coerente com os objetivos que a gente tem”, pontuou Mesquita.
Nesta fase de retomada, em parceria com o MDS, o Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2) irá beneficiar mais de 5 mil famílias no Semiárido brasileiro, contribuindo não só com o acesso à água e a segurança alimentar e nutricional, mas com o protagonismo e a valorização das experiências dos povos do Semiárido. Neto Santos, coordenador da ASA pelo estado do Piauí destacou durante a Capacitação: “A gente tá indo pra comunidade para discutir uma série de questões sobre o Semiárido, não é só para construir cisternas. A gente vai para o debate e para a construção de um Semiárido melhor.”
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