Divisão do Trabalho Doméstico
10.12.2024
Em 10 anos, luta das mulheres consolida a Campanha pela Divisão Justa do Trabalho Doméstico

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Por Gleiceani Nogueira - ASACom

Plenária das Mulheres no X EnconASA debateu a Campanha pela Divisão Justa do Trabalho Doméstico. Foto: João Noya/ASACom

Compartilhar o trabalho doméstico é construir um Semiárido bom para todo mundo! Com essa afirmação, a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) e diversas outras instituições parceiras têm pautado a importância da divisão justa das tarefas como um pilar fundamental na construção da agroecologia e da convivência com o Semiárido.

A Campanha pela Divisão Justa do Trabalho Doméstico, da Rede Feminismo e Agroecologia no Nordeste, completou uma década de ação com avanços, desafios e perspectivas de ser ampliada no Semiárido. Os resultados da iniciativa foram partilhados durante a Plenária Autogestionada das Mulheres no X Encontro Nacional da ASA (EnconASA), que ocorreu no mês passado, em Piranhas (AL).

Uma das principais mensagens das mulheres é o reconhecimento pelo trabalho de casa, historicamente invisibilizado pelo patriarcado como forma de manter as mulheres numa situação de opressão e domesticação. Essa conscientização começa dentro do lar, mas também precisa ser refletida na sociedade com o objetivo de gerar políticas públicas que garantam a igualdade de gênero.

“A campanha da divisão justa é uma luta. É muito mais que uma campanha. Ela é uma luta das mulheres para ter a possibilidade de participar dos espaços públicos. Não tem quem fique com as crianças, se não tem quem divida o trabalho. Então é uma luta das mulheres que o trabalho doméstico seja dividido e eu diria que, nesses anos, muitas organizações da ASA incorporaram esse conteúdo nos seus processos de formação”, avalia Roselita Vitor, da coordenação da ASA pelo estado da Paraíba.

A agricultora Maria do Céu, diretora do Sindicato das Trabalhadoras e Trabalhadores Rurais de Solânea e da coordenação do Polo da Borborema, testemunhou a importância da campanha na “Eu trago o meu exemplo pessoal. Eu sou mãe solteira e criei meus dois filhos homens. Nessa caminhada, comecei a trabalhar a divisão justa do trabalho dentro de casa porque o trabalho não é só o da roça, não é só o dos pequenos animais, não é só cuidar da casa pra fora, é cuidar também dentro da nossa casa”, destacou.

sua vida. Foi durante a pandemia de Covid-19 que Maria do Céu e outras agricultoras familiares perceberam a importância de debater essa pauta com a família. “Na pandemia todo mudo ficou em casa, mas o trabalho aumentou para nós mulheres que trabalhamos no campo. Trabalho com os filhos, fazer as tarefas da escola, tudo aumentou e a gente começou a fazer essa campanha e fortalecer isso dentro das nossas famílias porque a gente sabe que só vamos mudar quando a gente começar dentro das nossas casas”, relembrou.

Além do espaço familiar, a campanha vem sendo trabalhada pelas agricultoras para dentro das organizações e também nos espaços de auto-organização das mulheres. Por se tratar de um tema sensível, as entidades têm usado de diferentes estratégias e criatividade para fazer o debate na base. A ASA Paraíba, por exemplo, a partir do GT de Mulheres e da Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia, tem utilizado o teatro, a comunicação e a própria Marcha como instrumentos para falar da divisão justa do trabalho doméstico.

As mulheres precisam de saúde e tempo

O ciclo de 21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra a Mulher chega ao fim nesta terça-feira, 10 de dezembro, que é, também, o Dia Internacional dos Direitos Humanos. Essa campanha é uma iniciativa da ONU Mulheres e faz parte do pacto global pelo enfrentamento à violência de gênero. No Brasil, a mobilização teve início no dia 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra, para evidenciar a violência contra as mulheres negras que são maioria entre as vítimas de feminicídio.

Mesmo com tantas conquistas, ainda há muitos desafios a serem superados para que as mulheres possam de fato viver num ambiente bom e seguro. O período de isolamento social foi um momento em que elas adoeceram mais com problemas de ansiedade, fadiga e irritabilidade, devido à sobrecarga das tarefas em casa.

De acordo com o Relatório da ONG Think Olga “Esgotadas” (2023), 86% das brasileiras consideram ter muita responsabilidade, 48% sofrem com dificuldades econômicas e cerca de seis em cada dez mulheres, entre 36 e 55 anos, são responsáveis pelo cuidado direto de alguém. “O trabalho de cuidado envolve muitas horas e tempo dedicado ao cuidado com a casa e com as pessoas: dar banho e fazer comida, fazer faxina, comprar os alimentos que serão consumidos, cuidar das roupas (lavar, estender e guardar), prevenir doenças com boa alimentação e higiene em casa, cuidar de quem está doente, fazer café da manhã, almoço, lanches e jantar para os filhos, educar, e segue por horas a fio”, detalha o documento.

“A gente precisa dividir essas tarefas com os nossos filhos, com o nosso companheiro, com quem tá do nosso lado, com quem tá fazendo com a gente a agroecologia. Se a gente não sair desse lugar aqui pra dividir com os nossos companheiros e companheiras, a gente vai continuar sendo oprimida dentro de casa. Não adianta a gente fazer agroecologia se a gente tiver com essa carga de trabalho dentro de casa”, enfatiza Maria do Céu.

Avanços e desafios

No Semiárido, as mulheres cuidam da terra, das águas, das florestas, da casa e do agroecossistema. E o aumento da sobrecarga do trabalho doméstico somado ao avanço dos megaprojetos - como os parques de energia eólica, a mineração e o agronegócio – tem tornado essa luta cada vez mais desafiadora.

Diante desse cenário, a ASA reafirma o seu compromisso com a Campanha pela Divisão Justa do Trabalho Doméstico por entender e reconhecer a sua importância para a vida das mulheres e para a consolidação da agroecologia.

“A gente tem avanços significativos como o programa de Quintais Produtivos que incorpora na sua ação política as cirandas, que são super importantes para que as mulheres no processo de formação tenham segurança de estar ali sabendo que seus filhos estão, inclusive, debatendo também a convivência com o Semiárido, a agroecologia”, disse Roselita.

Ela também destaca a conquista recente da inserção da ciranda nos processos de formação do Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC) e o anúncio da construção de novas tecnologias de acesso à água no Semiárido que vão garantir segurança hídrica, renda e autonomia para as mulheres.