Agroecologia
04.11.2015
Vandana Shiva: “Não queremos que a nossa vida seja controlada pelas grandes corporações”
Na palestra de abertura da 5ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, a ativista indiana falou para milhares de pessoas sobre a lógica que domina a cadeia de alimentos no mundo.

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Por Daniel Lamir e Verônica Pragana - Asacom

Reconhecida em todo o mundo pela defesa das sementes como patrimônio da humanidade e pela luta contra as grandes corporações da indústria alimentícia – segundo ela, foi vitoriosa em todas as disputas na Índia – a ativista e física Vandana Shiva era um dos nomes mais aguardados pelos participantes da 5ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, que vai até sexta-feira que vem (6), em Brasília.

Depois dos discursos oficiais de abertura da Conferência - da presidenta Dilma Rousseff, da ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Tereza Campello, e da presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea), Maria Emília Pacheco - Vandana Shiva subiu ao palco e iniciou sua fala com críticas severas às grandes corporações que dominam o mercado alimentício. “Já tivemos os períodos coloniais na história e, hoje, vivemos uma colonização das comidas”, assegurou.

No decorrer da palestra, Vandana ressaltou a importância da Conferência não só para o Brasil : “É importante para o mundo. Nossos alimentos estão sendo corrompidos e precisamos de momentos como este".

Realizada a cada quatro anos, a Conferência Nacional de SAN é um espaço estratégico para discussão de políticas públicas que ampliam o acesso à alimentação saudável no Brasil. O país vivencia um período paradoxal com relação ao padrão alimentar: deixou de fazer parte do mapa da fome no mundo e entrou no mapa da obesidade. O evento reúne cerca de duas mil delegados e deve atrair um público volante de três mil pessoas nos seus quatro dias (3 a 6/11).

A seguir, compartilhamos trechos da fala de Vandana sobre as intenções das grandes corporações escondidas por trás de seus discursos, o processamento dos alimentos como uma das causas das doenças contemporâneas, transgenia, sementes crioulas e agroecologia, que segundo Vandana “não oferece só o alimento, oferece saúde por hectare” . Confira!


As grandes corporações, processamento de alimentos e doenças


Hoje a única razão que sustenta as grandes corporações do setor são os royalties.

As grandes corporações sempre mentiram com o argumento de preocupar-se em acabar com a fome e oferecer alimentos ricos em nutrientes. A cultura das grandes corporações surge com as grandes guerras mundiais, em contexto de destruição. Assim como ficou evidente na Guerra do Vietnã, a comida é utilizada como arma.

Eu briguei com a Monsanto porque eles queriam patentear o trigo na Índia. Lutamos contra essa pirataria e ganhamos todas as vezes contra essas indústrias.

As grandes corporações estão roubando a alimentação humana, estão modificando os nutrientes das comidas que sempre foram cultivadas nas comunidades. O trigo em si não causa a alergia. O problema surgiu com os procedimentos das grandes corporações com a manipulação na plantação.

Com o crescimento do agronegócio, cada vez mais eles controlam a nossa alimentação, que não estão preocupados com a nossa saúde. Quando adoecemos, eles lucram também. Eles são donos da mesma rede de corporações que vende o alimento que faz adoecer e que [também] vende o remédio depois.

A cultura das empresas é de não se incomodar com as sementes limpas, a biodiversidade e se as pessoas estão morrendo. Para a Monsanto, ao chegar na Índia, toda a variedade forma do trigo, canela e milho tinha que ser exterminada. Mas estes eram alimentos para o povo.

Os novos alimentos são fontes de doenças por conta dos vários processamentos. Cada cultura possui seu próprio óleo de cozinha e adoçante. E que, antes das grandes corporações, não existiam esses malefícios que vemos hoje com a saúde.

Na Índia, o açúcar era feito apenas com a fervura da cana. Ele não trazia esses malefícios que vemos no açúcar atual. O açúcar de hoje é venenoso, principalmente pela adição de xarope de milho. A Coca-Cola, por exemplo, enricou bastante com esta substância. Para ela era mais barato fabricar com este tipo de açúcar. Ela explica que o crescimento do consumo de xarope de milho vem aumentando. Em 1985, existiam entre 30 a 35 milhões de pessoas com diabetes. Hoje são entre 300 a 350 milhões.

Não gosto do termo "estilo de vida" para este cenário. Uma pessoa seria muito boba em escolher este tipo de vida sabendo que está se matando. O que há é imposição. Já tivemos os períodos coloniais na história e, hoje, vivemos uma ‘colonização das comidas’.

Não queremos que a nossa vida seja controlada pelas grandes corporações. A etapa seguinte deles é para criminalizar a nossa liberdade.


As grandes corporações estão roubando a alimentação humana, estão modificando os nutrientes das comidas que sempre foram cultivadas nas comunidades. O trigo em si não causa a alergia | Foto: Daniel Lamir/Arquivo:Asacom

Agrotóxicos e transgenia

Na Índia aconteceu um acidente na área da transgenia que ainda afeta a vida das pessoas. Muitas pessoas nascem deformadas, ainda hoje, em decorrência deste tipo de agricultura.

A monocultura e os insumos químicos andam sempre de mãos dadas.

Matar insetos não é o caminho. Cada inseto no mundo está cooperando.

Em meados de 1965/66 tivemos a revolução verde na Índia. Em 1984, [ocorreu] um incêndio causado pelo modelo de agricultura que não queremos. Pouco depois tivemos problemas com a mosca branca. Essa razão fez olharmos para a agricultura de uma forma diferente.       


Sementes crioulas


Alimentos verdadeiros só podem ser feitos com sementes de verdade.

As sementes limpas são mais resistentes que as sementes transgênicas. Qualquer chuvinha e elas já estão germinando. Elas também são nutritivas, diversas e resilientes.

Começamos [na Índia] com 120 comunidades com bancos de sementes. Elas se estabeleceram porque resistiram a todas as leis que eram contrárias, claro, num contexto tendencioso.

Há muita propaganda dizendo que as nossas sementes são primitivas. Isso é um racismo na alimentação. Ao mesmo tempo, 70% dos alimentos que comemos são da agricultura camponesa.


Terra e agroecologia


A agricultura camponesa [com] as sementes limpas poderiam geram 400 vezes mais alimentos. A questão é que não existe terra suficiente para quem produz de forma limpa. A agroecologia baseada na diversidade produz mais alimentos.

A Índia poderia alimentar duas Índias se produzisse comidas saudáveis. O Brasil poderia alimentar dois Brasis se produzisse comidas saudáveis.

Na nossa atuação com a agroecologia não oferecemos só o alimento. Oferecemos saúde por hectare. Os alimentos com químicos são tóxicos e vazios de nutrientes. Eles estão adicionando coisas que nunca foram alimentos para nós. Portanto, nos oferece um alimento falso.