Acesso à Terra
25.05.2016
O passo à frente ameaçado por dois para trás
Estratégias políticas da elite empresarial colocam direitos trabalhistas em xeque

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Por Daniel Lamir - Asacom

O passado recente da história do país permanece à espreita nos acontecimentos dos dias atuais | Foto: Sebastião Salgado

As condições de trabalho de homens e mulheres do campo sempre estiveram na linha de frente dos golpes e das mudanças na conjuntura política do país. Quando alguns passos para a diminuição das desigualdades sociais são dados, outros, insatisfeitos e na contramão, se chocam, quebrando nossos processos por democracia. Sustentado pelo golpe, o atual governo provisório anuncia a “necessidade” de cortes de direitos e programas sociais populares de pessoas do campo e da cidade. Ao mesmo tempo, os gestores golpistas silenciam sobre taxação e sonegação de impostos dos muito ricos, como, por exemplo, dos grande empresários do agronegócio. É neste cenário que é celebrado, hoje (25), o Dia Nacional do Trabalhador e da Trabalhadora Rural.

Sobre o assunto, conversamos com Claudeilton Luiz, coordenador estadual do Movimento de Pequenos Agricultores (MPA) de Pernambuco. Ele falou sobre as tendências políticas que afetam a vida dos trabalhadores e das trabalhadoras rurais, incluindo direitos e acesso a programas e políticas sociais. Na prosa, há uma análise sobre as ameaças que o jogo político da elite empresarial está causando para temas como previdência social, décimo terceiro salário e as férias, por exemplo. Claudeilton faz uma leitura histórica, contextualizando as relações entre o momento atual e o período de atrocidades vivenciados durante a ditadura militar. A entrevista envolve as relações entre campo e cidade; direitos e retrocessos; patrões e empregados.

 

Claudeiton mora em Ouricuri (PE), tem origem camponesa e estuda direito | Foto: Arquivo pessoal

Asacom – Após o golpe, o Governo interino fala em “gastos” e déficits que “precisam” ser controlados. Os cortes afetam direitos importantes para as trabalhadoras e trabalhadores rurais, como a reforma da previdência social, por exemplo. É possível acreditar em algo deste discurso?

Claudeilton - Precisamos entender o contexto que estamos vivendo. Em apenas duas semanas se fala em perdas que levaram mais de trinta anos para serem conquistadas. Então, essa discussão feita pelo Governo golpista do Temer, de que o povo não cabe no orçamento, não passa de uma farsa. O povo, ao longo do seu trabalho e dedicação, gera os impostos que devem retornar para o próprio povo. Se pegarmos hoje o orçamento da previdência, que inclusive é um dos fundos de garantia mais importantes da América, percebemos que o discurso de cortes e necessidade de redução que o Governo faz é parte de um discurso neoliberal, para garantir o Estado mínimo e atender o mínimo possível a população. O governo argumenta que é preciso, então, seguirmos retirando alguns direitos. A discussão do Governo não dialoga com a realidade. É possível sim atender a demanda dos trabalhadores e garantir uma previdência social universal.


Asacom
- Ao mesmo tempo que faz este discurso, o Governo interino e golpista não fala em temas como taxação e sonegação de impostos das importações, por exemplo. Que Governo é este?

Claudeilton - É um governo antipovo. Ele é ilegítimo, ilegal e odiado por uma parcela significativa da sociedade. Basta olharmos os elementos de alguma análises, é um Governo que tem 1% de aceitação da população. Então, se olharmos para este fato expressivo, percebemos que o que ele fala não dialoga com a realidade da sociedade.


Asacom
- Extinguir ministérios e ameaçar programas e políticas populares podem ser consideradas como algumas dessas medidas que não dialogam com a sociedade? O que está em jogo, por exemplo, com o fim do MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário) para trabalhadoras e trabalhadores rurais?

Claudeilton - Para além da extinção do MDA e dos programas e políticas destinadas ao trabalhador rural, precisamos falar mais sobre o que tem sido essas duas semanas do Governo Temer. Além disso, precisamos destacar o que as organizações sociais têm feito, de um modo plausível e positivo, garantindo ATER (Assistência Técnica e Extensão Rural) ou Assessoria Social, Pronaf, Pronera, PAA, etc. São programas e políticas que têm relação direta com o Ministério do Desenvolvimento Agrário, que, com apenas duas semanas do Governo Temer, já foi extinto. As medidas que estão sendo tomadas envolvem diretamente os direitos trabalhistas e o MDA é central no sentido de perda dos direitos. Extinguir o MDA significa colocar em risco todos os programas e políticas e deixar de atender aquilo que foram pautas conquistadas para todos, com muita luta. Inclusive, essas pautas levaram muitas décadas para formarem o que o hoje consideramos como MDA, com essa capacidade e demanda para atender os trabalhadores.

Nessas duas semanas, o Governo Temer entra nos eixos centrais dos direitos dos trabalhadores. Começa com o MDA, depois entra no Ministério da Previdência Social. Na previdência social o que se discute no Governo? Duas propostas que atacam diretamente os direitos dos trabalhadores: Uma é a flexibilização da CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) e outra que é a reforma da previdência. Quando se trata dessa flexibilização e dessa mudança estão olhando para uma ponta, a maior preocupação é com o estímulo ao empresário. Ou seja, não se pensa no trabalhador. Nesta forma de flexibilização das leis trabalhistas, por exemplo, se flexibiliza o décimo terceiro [salário]. Como você flexibiliza um diálogo entre trabalhador e patrão por um direito que já é seu e é

Claudeilton destaca que não tivemos avanços em questões como reforma política e reforma agrária na nossa frágil democracia | Foto: Agnaldo Rocha

constitucional? Então a proposta com relação ao Ministério da Previdência, quando se trata da CLT, envolve também a possibilidade de retirada do décimo terceiro, dentro desse pacote de reforma.

Para além disso, envolve também outros direitos que levaram anos para serem conquistados, com o direito a férias. O décimo terceiro foi um direito criado no Governo João Goulart. Imaginem um direito criado há mais de quarenta anos e agora um Governo ilegítimo, com apenas uma canetada tirar esse direito dos trabalhadores. Quanto à reforma da previdência está em jogo, principalmente, na realidade dos trabalhadores do campo, a proposta de estabelecer idade mínima para a aposentadoria. O homem só poderia com 65 anos, hoje a idade é de 60 anos. A mulher só com 63 anos. Além do MDA e do Ministério da Previdência, outras medidas preocupantes do Governo também já foram tomadas. Se olharmos no Ministério das Cidades, hoje com Bruno Araújo, do PSDB, um dos partidos que aderiram ao golpe, uma das primeiras canetadas foi para cancelar 11.126 contratos de habitação que tinham sido assinados pela presidenta Dilma [Rousseff] antes de deixar a presidência. Uma canetada atinge diretamente o direito das famílias que lutaram na perspectiva de ter uma casa. Isso é uma ação desligada do entendimento do que é aquilo que é demanda do povo.


Asacom
- Chama a atenção, na nossa conversa, a relatividade do tempo. São décadas de luta populares, como um passo contra a desigualdade social. Ao mesmo tempo, em apenas duas semanas, são apontados alguns passos para trás, indicando um aumento na desigualdade social. Como relacionar nossa história recente de luta por democracia com o momento atual?

Claudeilton - Vivemos um momento em que os trabalhadores avançaram na conquista de direitos e de participação e poder popular. E nessa organização, há mais envolvimento e possibilidade de ir atendendo sua própria economia. No geral, olhando para o que está acontecendo e dialogando com a história, percebemos que a nossa democracia é jovem e precisa ser bem cuidada. Se ela não for bem cuidada, ela cai no mundo da insegurança jurídica, e isso leva para uma incerteza política muito grande. Se olharmos para a história, vamos perceber o que aconteceu em 1964 e o que estava em jogo naquela época e o que está em jogo hoje, em 2016, no Brasil. Naquela época, se tratava de garantir as reformas de base trazidas por João Goulart. Um dos pontos centrais era a reforma agrária. Outro ponto central naquele momento era a reforma eleitoral, a possibilidade dos analfabetos votarem. Ainda destacamos um investimento para regulação das empresas internacionais no Brasil.

Trazendo para a conjuntura atual, percebemos que essas são pautas ainda muito presentes no cenário atual. Quais são as pautas que hoje são mais provocadas e que os trabalhadores brasileiros conseguiram avançar nessa perspectiva? É a garantia de alguns direitos sociais, mas a reforma agrária e a reforma eleitoral continuam como necessidades reais. Percebemos que são utilizados freios quando há a possibilidade de amadurecimento da nossa democracia e conquistas de direitos sociais. Jango foi destituído do cargo da presidência em 1964 por um golpe militar que usou armas para retirá-lo. Então, o que faz a elite branca e machista brasileira? E em 1964 também financiada pelos Estados Unidos? Vão e dão o golpe. Hoje sem as armas, mas com todo o aparato da mídia e do poder judiciário, que está sendo conivente com esta situação. A democracia está sendo golpeada, e toda a vez que se golpeia a democracia, se golpeia os direitos das classes menos favorecidas, que, neste caso, é a classe trabalhadora. Estamos sim dando passos para trás sobretudo pelo comportamento elitista, branco e machista que está acontecendo no país. Precisamos entender cada vez mais porque sofremos um golpe. Sofremos um golpe porque o processo não tem uma fundamentação jurídica de um crime praticado pela presidenta [Dilma Rousseff]. Então, não tem outra palavra. É golpe. E como é golpe, ele atinge o direito dos trabalhadores e o cargo da presidência. Isso é retrocesso. Nestas duas semanas tivemos um retrocesso de mais de trinta anos. Vários passos para trás, nesta dimensão social e democrática, foram dados nesta semana de retrocessos e perda de direitos.


Asacom – Falar da conjuntura do golpe de 1964 lembra muitas atrocidades, dentre elas a de reprimir e submeter a classe trabalhadora para perda de direitos aumentando a produção e o lucro do empresariado. O que estamos vivenciando já inicia relações com o passado também?


Claudeilton - As canetadas que estão extinguindo os ministérios no Governo interino estão fazendo um estímulo para o empresariado. Ou seja, para quem explora o trabalhador. Desse modo, não é difícil perceber que o principal objetivo é desfavorecer a classe trabalhadora. Quando se fala nessa “flexibilização”, o Governo usa uma palavra suave para dialogar entre trabalhador e patrão, para que o trabalhador não sinta tanto esses impactos. Quando se trata do aumento da idade mínima para a aposentadoria, percebamos que aí diretamente se trata “não, ao trabalhador pode trabalhar mais cinco anos sem que o Estado reconheça ou que ele venha a ter seus direitos”. Imaginem que tem estado, como Alagoas, de origem do próprio presidente do Senado, Renan Calheiros [do PMDB], no qual a expectativa de vida, se eu não estiver enganado, é de 68 anos. Nesta projeção, o trabalhador teria apenas três anos de retorno da sua contribuição. No geral, sendo materializadas as propostas do Governo interino, e dialogando com a ditadura militar, vamos perceber que o principal objetivo é fortalecer a burguesia exploradora, a elite branca que é dona dos meios de produção. E como tem alguém para trabalhar, a vítima é o trabalhador. Isso na relação direta entre trabalhador e empregado. Se pegarmos a relação com o Estado, os principais cortes que estão sendo propostos atingem o trabalhador. As medidas que estão sendo programadas não tratam sobre tributação das grandes fortunas. Não se pensa neste aspecto para cinco por cento da nossa população.

A PNAPO é um exemplo de disputa social pelo fortalecimento da democracia | Foto: Agnaldo Rocha

Asacom - As estratégias desta sanha de proteção aos mais ricos envolve também a desarticulação da classe trabalhadora, como aconteceu até mesmo dentre as muitas atrocidades da ditadura militar. O que podemos falar sobre a organização de trabalhadoras e trabalhadores rurais nos dias de hoje?

Claudeilton – No contexto de 1964, o Brasil era um país rural. Existiam mais pessoas no espaço do campo do que no urbano. Naquele momento, o campo tinha um peso político significativo nesse enfrentamento. E aí entra, claro, a perseguição que foi feita aos sindicatos e todas as formas de organização. A UNE (União Nacional dos Estudantes) foi fechada. Todos os movimentos que tentaram se organizar, foram perseguidos. Um exemplo muito claro está nas Ligas Camponesas, puxadas pelo Francisco Julião, e, em Pernambuco, pelo Gregório [Bezerra], de tal modo que se percebe um contexto de que o Brasil é muito camponês, muito rural. Nesse sentido foram perseguidos vários levantes, lutas importantes no sentido de resistência. No contexto atual, o Brasil é muito urbano. Existem várias outras formas de organização, os movimentos urbanos, hoje, têm um peso diferente daquele período. Mas não tira do estado o poder repressivo, de perseguir. Inclusive transformando isso num processo de legalidade. Se pegarmos o que vem sendo feito hoje como forma de repressão aos movimentos que estão lutando e enfrentado um governo que retira seus direitos, você vai perceber que existe essa Lei de Segurança Nacional que acaba dando fundamentação legal, por mais que não seja legítima, para que essa repressão aconteça. Mas vivemos num contexto em que há uma capacidade muito grande de articulação da população, de organização dos movimentos em que isso acaba se tornando importante no sentido de se lutar contra todas essas perdas de direitos e a favor da construção e fortalecimento da democracia. Porque, por mais que a nossa democracia possua falhas, ela possibilita um processo para alguma igualdade social, justiça social, de participação nas decisões. Sem essa democracia, qualquer outra possibilidade de luta no campo ético fica inviável. Nesse momento, os movimentos sociais têm cumprido esse papel fundamental, assim como cumpriram em 1964, com essa diferença quanto ao campo e à cidade. Não estou dizendo que o campo hoje é mais ou menos importante, mas que a cidade hoje tem movimentos importantes que somando com o campo nessa relação, nessa aliança camponesa e operária, se faz fundamental nesse enfrentamento e luta para garantir esses direitos que foram conquistados. Por exemplo, foi na efervescência de antes do golpe de 1964 que se conquistou o décimo terceiro. Nas décadas de 1980, 1990 e 2000 vieram muitos outros. E todos estão sendo ameaçados e golpeados.