Imprensa - ASA na Mídia

Voltar

14.01.2016
A vocação da terra
Revista Cariri - Alana Maria
Sob o sol e o calor que atinge Nova Olinda em outubro, Zé Artur explica para um grupo de estudantes atentos como deu início a sua agrofloresta no meio do semiárido.

“O modo de produção / feito aqui no semiárido
Desde a colonização / sempre foi muito atrasado
A terra tem padecido com o fogo estarrecido / e com o corte do machado
Primeiro se broca tudo / depois faz a queimação
Planta só uma cultura / e logo faz uma erosão
Ainda se põe veneno / que contamina o terreno
E as águas que caem no chão
Esse jeito nunca foi / nunca vai ser sustentável
Pois causou desequilíbrio / não tem nada de agradável
A terra se encontra fraca / com a derruba das mata
Nessa lógica insuportável…”

Trecho musical do VT “Agroflorestação: outro jeito de fazer agricultura no semiárido” produzido pela Cáritas – Ceará

Sob o sol e o calor que atinge Nova Olinda em outubro, Zé Artur explica para um grupo de estudantes atentos como deu início a sua agrofloresta no meio do semiárido. “Hoje de manhã eu plantei sementes de mamão, laranja, maracujá e não botei nenhum farelo de adubo”, revela orgulhoso, remexendo a terra na mão.

E explica que, enquanto as árvores frutíferas se desenvolvem, ele cultiva arroz, fava, milho, feijão, algumas verduras e hortaliças, que fartam a mesa e geram renda rápida. Não é que Zé Artur tenha descoberto a terra santa em pleno Nordeste, mas ele implementou um sistema eficiente combinando plantio de diferentes culturas agrícolas, com ou sem presença de animais: é o sistema agroflorestal.

Nos últimos 20 anos, a terra cultivada por Zé Artur e Sebastiana, sua esposa, não vê queimada ou agrotóxicos. Na verdade, o terreno é cheio de diferentes culturas e vive coberto de galhos e de folhas verdes e secas. Quem desconhece o processo e vê o chão assim, pode até achar que está sujo, mas os técnicos e agrônomos da Associação Cristã de Base (ACB) vão discordar. De acordo com eles, a matéria orgânica deixada vai decompor aos poucos, criar um tipo de adubação natural, o húmus, e nutrir o solo. Não é mágica. Nesses casos, a chave é o trabalho de manejo e o respeito “à vocação da terra”, ao que o solo tem a oferecer e pode aguentar.
 

Em 1995, a ACB participou de um curso de Sistemas Agroflorestais com o pesquisador suíço Ernst Gotsch, famoso agroflorestador, pelo Centro de Desenvolvimento Agroecológico Sabiá, em Triunfo, Pernambuco. Na época, Jeová de Oliveira Carvalho, um dos fundadores da Associação, voltou do curso com a proposta de adotar o sistema junto aos agricultores da região do Cariri, começando por ele mesmo em sua propriedade. Sendo pioneiro por essas bandas, Jeová convenceu outros agricultores, entre eles, Zé Arthur, da eficácia do sistema.

A base fundamental para fazer e manter uma agrofloresta, Jeová garante, é o respeito à terra. Ao iniciar uma nova cultura, é importante deixar faixas das vegetações nativas ao redor, para que a fauna e a flora do habitat não sumam de vez. O consórcio entre tipos de plantas – sejam elas colonizadoras, pioneiras, primárias, secundárias e/ou frutíferas – tem grande importância no desenvolvimento do sistema. “Pelo processo natural, levaria uns 80 anos para (o sistema agroflorestal) estar completo. Mas com os métodos certos, levando as sementes e plantas de estaca, ajudando na cobertura do solo e fazendo o manejo, o agricultor mesmo acelera o sistema”, destaca Jeová, explicando ainda que o acompanhamento de um técnico agrônomo é imprescindível.

Apesar de levar mais tempo para se desenvolver do que o plantio de uma monocultura, os benefícios identificados na agroflorestação vão desde o aumento da biodiversidade florestal, frutífera e animal, até a melhora da porosidade e estrutura do solo, possibilitando plantações que exigem mais matéria orgânica. “Vai demorar, mas ‘mais tarde’ vai dar fruto bom e assim vou formando uma área sustentável”, Zé Artur dispara, confiante na agricultura que mantém. “A gente faz o trabalho do manejo e depois vem só colher. Não precisa gastar roçando ou comprando química”, ele acrescenta.
 

Quando iniciou o sistema, os 18 hectares de Zé Artur e Sebastiana foram descritos pelos técnicos da ACB como “praticamente improdutivos”, depois de anos de broca e queimada. “Aqui temos a cultura do fogo e do veneno, que são questões sérias desenvolvidas pelas políticas agrícolas dos governos até hoje”, declara o presidente da ACB, explicando que, ao longo os últimos 30 anos, o pacote de políticas governamentais para o setor agrícola favorece o uso indiscriminado de agrotóxicos, o desmatamento e a queima. Sem nível seguro de ingestão, o uso de agrotóxicos a longo prazo traz prejuízos imensuráveis ao meio ambiente e à saúde humana.

Diversos estudos científicos, como o da pesquisadora Flávia Londres, no livro Agrotóxicos no Brasil: um Guia para a Ação e Defesa da Vida, apontam o ano de 1970 como o marco do crescente avanço do agronegócio e uso de agrotóxicos no Brasil. Em 2011, o Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Agrícola (SINDAG) revelou dados assustadores que destacam o país como o maior consumidor mundial de agrotóxico, chegando a um bilhão de litros aplicados por ano – equivalente ao consumo médio de 5,2 kg de agrotóxico por habitante.

No caminho da agroecologia, já se passaram 20 anos que Jeová, Zé Artur e outras 31 famílias das zonas rurais de Crato, Nova Olinda e Potengi, inscritas no último cadastramento das unidades agroflorestais, datado de 2001, negaram a queimada e o agrotóxico. Eles só plantam, colhem e se sustentam com a agroflorestação, um sistema ecologicamente consciente. Zé Artur e Sebastiana, por exemplo, perderam a conta de quantas culturas estão criando no quintal. São hortaliças, frutíferas, leguminosas, grãos e estacas, além da criação à parte de galinhas e porcos. A renda vem da distribuição e venda dos produtos nas feiras das cidades ao redor e do abastecimento de uma frutaria gerenciada pelos filhos, no centro de Nova Olinda. No entanto, o mais importante, os dois agricultores apontam orgulhosos, é que a mesa anda mais diversificada em alimentos, a saúde vai bem e a alma está tranquila por fazer um trabalho limpo e honesto.
 

 

Filtre as publicações

Isso facilitará a sua busca