A agricultora Glória Diaz veio de Chiquimula, na Guatemala, para participar do evento de lançamento global da Década da Agricultura Familiar, na sede da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), em Roma, na Itália. Nem os quase 10 mil quilômetros de distância que separam seu país de Roma, tampouco a presença de representantes da FAO, do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA) e de governos de outras nações intimidaram a camponesa de fala segura, que contou como as mulheres de sua comunidade passaram a ter uma nova perspectiva de vida ao se mobilizarem numa associação para trabalhar juntas.
“O desafio que tínhamos nos levou a nos organizarmos numa associação que hoje tem 162 mulheres, 54 jovens e 7 homens, porque também estamos comprometidos com o combate à insegurança alimentar, sobretudo das mulheres. Em nosso país também enfrentamos a seca, então começamos a plantar e armazenar água do solo. Com isso criamos viveiros que garantem alimentos. Isso tem nos gerado renda e também contribuído com o desenvolvimento da comunidade. Hoje também contamos com uma agrofloresta com árvores frutíferas, café, entre outras coisas que comercializamos”.
Glória é uma das lideranças camponesas do Corredor Seco da América Central que participou do intercâmbio com agricultores do Semiárido brasileiro em 2018. A ação faz parte de um projeto com a FAO Chile e FAO Roma, que também envolveu agricultores, gestores e a sociedade civil que atual na região do Sahel, na África. Essa experiência, conhecida como campesino a campesino, foi a centralidade da mesa "De agricultor para agricultor: cooperação comunitária baseada na gestão de água fortalecendo a resiliência através do intercâmbio de conhecimento".
Além de Glória Diaz, Malick Ba, representante da ONG Symbiose, que atua no Senegal e vem acompanhando a execução do Programa Um Milhão de Cisternas no Sahel, e o coordenador executivo da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), Alexandre Pires, contaram suas experiências a partir da perspectiva de cada região, numa demonstração de que a cooperação sul-sul se apresenta como uma estratégia eficiente para o fortalecimento dos campesinos.
Para Malick Ba a promoção de diálogo entre agricultores, o envolvimento das comunidades na execução de políticas públicas e a parceria entre sociedade civil e gestores contribuem não apenas para o fortalecimento da agricultura familiar, mas também com a consolidação da agroecologia como modo de vida. “Symbiose é uma organização que atua em Koulack, que também é uma região seca. Há 20 anos temos participado das articulações entre lideranças locais, tentando contribuir com as políticas públicas nesse sentido. Eu imagino que é muito importante continuarmos nos comunicando para elaborar novas estratégias juntos. Eu acho que estamos em áreas semelhantes, com condições de vida parecidas. O povo da América do Sul e da África tem histórias parecidas e se juntarmos nossas forças para fazer diferença na agricultura familiar, porque ela tem muitos recursos e é importante juntar essas forças e construir uma nova agricultura”, afirma Malick Ba.
Segundo Alexandre Pires, esses diálogos foram fundamentais para o que o Semiárido brasileiro se tornasse o que é hoje. “Falamos de uma quebra de paradigma de séculos, onde o estado brasileiro queria combater a seca. Há 20 anos, a ASA começou a aprender com os agricultores como eles viviam na região e fazer com que eles conhecessem e trocassem experiências entre si, fazendo com que essa região se transformasse de um local de fome e miséria para uma região de vida, com produção de alimentos, a partir da democratização da água. Isso é o que hoje chamamos de convivência com o semiárido e que nos permitiu passar pela maior seca dos últimos 100 anos em qualquer morte por conta da fome”.
O diretor-geral da FAO, José Graziano ressaltou a importância do diálogo entre o Estado e a sociedade civil, lembrando que o Programa Um Milhão de Cisternas foi uma entre dezenas de experiências incorporadas ao Programa Fome Zero, lançado no início do Governo Lula, com expressiva contribuição da sociedade civil. “Nós levamos anos preparando o programa de governo [do ex-presidente Lula] e andamos [de caravana] mais de 90 mil quilômetros pelo interior do país conhecendo experiências exitosas. E aí encontramos a ASA, no Nordeste. Fizemos uma grande assembleia em Campina Grande [na Paraíba] para ouvir as experiências e depois fomos visitar essas experiências. A junção dessas experiências ficou conhecido como Programa Fome Zero. O Programa Fome Zero foram quarenta e uma coisas que já davam certo no Brasil”, reconheceu.
A embaixadora de Burkina Faso, Josèphine Quedraogo, afirmou que todas as experiências foram vitais e demonstram a resiliência de um povo cheio de sabedoria, talento, capacidades e vontades. Por fim, ela provoca: “A sociedade civil não deve se contentar em ser apenas uma força de contestação, mas também deve mostrar sua força no diálogo com o Estado”.
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