Educação Contextualizada
07.10.2015
Quando políticas públicas reforçam a agricultura familiar, a fome e a miséria são vencidas, diz a FAO
Um dos segredos da efetividade das políticas públicas está na articulação entre governo e sociedade civil organizada. No Semiárido, que concentra grande parte das pessoas que vivem na linha da miséria, essa articulação sustenta programas como o Cisternas nas Escolas

Voltar


Por Verônica Pragana - Asacom*

Agricultor de Jaguarari, na Bahia exibe sua produção | Foto: Manuela Cavadas/Arquivo: Asacom

Este ano, o tema do Dia Mundial da Alimentação é “Proteção social e agricultura: quebrando o ciclo da pobreza rural”. Segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), cerca de 70% da população mundial – a maioria nas zonas rurais – não têm acesso à medidas de proteção social adequadas. “Por esta razão, a FAO tem intensificado seus esforços para ajudar os governos e seus associados a incorporar a proteção social nas estratégias e políticas nacionais de desenvolvimento”, diz um trecho do site da FAO. Para as Nações Unidas há uma relação direta entre essas medidas e o nascimento de um ambiente propício à segurança alimentar e nutricional em espaços locais.

No Brasil, essa relação vem se concretizando nos últimos 12 anos. Devido a um conjunto de políticas públicas, como o Bolsa Família, Água para Todos, Programa Nacional de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), o país atingiu o maior índice de redução da miséria. De 1990 para 2012, o índice mundial de pobreza extrema caiu de 47% para 22% (13 pontos percentuais). Já o Brasil, passou de 25,5% para 3,5% (22 pontos percentuais), tornando-se referência em relação ao assunto.

Como mais da metade (59,1%) dos brasileiros em situação de extrema pobreza estão no Nordeste e metade desta população (52,5%) vive na zona rural da região, um conjunto de  políticas públicas de combate à miséria e à fome devem ser pensadas para a população rural do Semiárido brasileiro. É neste pedaço do Brasil, que corresponde a 18,2% do território nacional, que a sociedade civil organizada e o governo se articulam para que as políticas públicas sejam, de fato, efetivas. Esta capacidade de articulação construída entre governo, sociedade civil e outros segmentos sociais, também foi reconhecida pela FAO como um elemento para o sucesso brasileiro na redução da miséria no país.

No Semiárido, há um conjunto de políticas públicas que reforçam a proposta de convivência com as características ambientais da região e se configura como uma rede de proteção social às famílias do território. Um dos pontos desta rede é o Programa Cisternas nas Escolas executado pela ASA desde o Piauí até Minas Gerais. “Os índices que apontam fragilidade na segurança alimentar do espaço rural do Semiárido não está só nos lares. Reproduz, na mesma forma, nas salas de aula e no pátio da escola, contribuindo para manutenção do processo de exclusão de direitos à população rural”, ressalta Rafael Neves, coordenador do Cisternas nas Escolas.

 

Crianças cuidam da horta com água da cisterna em escola de Igaci | Foto: Ana Lira/ Arquivo: Asacom

Ao possibilitar que as escolas rurais tenham uma cisterna de 52 mil litros que capte água da chuva para o consumo humano, a segurança hídrica tem se tornado uma possibilidade real para as escolas. “A chegada da cisterna viabiliza o armazenamento de água durante o período de estiagem e, a partir daí, mobiliza a comunidade escolar acerca dos demais problemas encontrados na escola, como: falta de merenda, alimentos de qualidade inferior e quase sempre industrializados, falta de estrutura para conservação e preparo de alimentos naturais, que podem ser adquiridos no próprio município”, contextualiza Rafael.

Como o Cisternas nas Escolas acontece em instituições localizadas em comunidades com potencial de produção de alimentos agroecológicos e orgânicos, devido às políticas já existentes, as ações do programa têm reforçado elos entre escola e comunidade. E são inúmeras e variadas as pontes que as organizações executoras do programa estão construindo pelo Semiárido afora.

O Centro Sabiá, uma das organizações que atua em Pernambuco, desenvolve o Cisternas nas Escolas em oito municípios do agreste pernambucano. Em seis deles, a organização também atua acompanhando famílias agricultoras oferecendo assessoria técnica numa perspectiva agroecológica. No primeiro programa, há os cursos de formação da comunidade escolar com recursos para a compra de refeições para os participantes. E na ação de ATER Agroecológico, várias famílias têm produzido excedente para ser escoado para o mercado consumidor. Então, o Sabiá tem conseguido comprar os alimentos destes agricultores agroecológicos locais e transforma-os em pratos fartos servidos nas formações.

Nos cursos, o Sabiá tem adotado outra estratégia que pode aproximar agricultores familiares em transição agroecológica da gestão pública municipal. “Na formação com as merendeiras e auxiliares de serviços gerais convidamos nutricionistas do município, que são responsáveis por montar o cardápio da merenda escolar. Fazemos o mapeamento, com quem está na formação, pra saber se eles conhecem agricultores/as que produzem agroecologicamente ou de maneira orgânica no município. E sempre há conhecidos que trabalham desta maneira. Depois disto, provocamos as/os nutricionistas sobre a segurança e soberania alimentar, questionando o que eles compram através do PNAE se é produto orgânico ou agroecológico. Isso enriquece o debate e provoca um diálogo construtivo para fomentar uma nova visão dentro do município”, explica Rodrigo Adrião, coordenador do Cisternas nas Escolas do Sabiá.

No município de Brejão, no Agreste pernambucano, 11 das 13 escolas rurais receberão as cisternas. Segundo a secretária municipal de Educação, Edjane Ferreira, o índice dos alimentos comprados da agricultura familiar para a merenda escolar ultrapassa os 30% obrigatórios estipulado por lei. No entanto, ela relata uma dificuldade em adquirir produtos orgânicos ou agroecológicos. Perguntada se o levantamento de informações sobre agricultores/as agroecológicos e orgânicos de Brejão com as próprias pessoas do curso poderia ajudar o município a ampliar a compra de produtos livres de veneno para a merenda escolar, a secretária disse que sim. “Os nomes dos agricultores/as estão com a nutricionista. No final deste ano e início do outro, os produtores serão chamados pela prefeitura para saber se têm interesse e condições de fornecer os alimentos para o PNAE. Esse processo só vai acontecer nesta época porque toda a merenda escolar de 2015 já está contratada”.

Em Caraúbas, no Rio Grande do Norte, criancas têm acesso à água | Foto: Ana Lira/Arquivo: Asacom

Na Paraíba, no território da Borborema, a organização AS-PTA tem atuado, através do Cisternas nas Escolas, em 83 escolas de oito municípios. Atualmente, as professoras destas instituições e até de escolas que não estão incluídas nesta fase do programa estão participando das sete turmas de capacitação para o corpo docente. “O Cisternas nas Escolas foi uma oportunidade que encontramos para dialogar de forma mais ampla com as professoras sobre o significado da agricultura familiar e o papel de todos os envolvidos”, conta Manuel Roberval da Silva, assessor técnico da AS-PTA que está envolvido no processo formativo da comunidade escolar.

Segundo ele, a AS-PTA e o Polo da Borborema, um coletivo de sindicatos de trabalhadores/as rurais e organizações da sociedade civil, têm desenvolvido desde 2002 uma proposta metodológica para a formação política das famílias agricultoras e comunidades tradicionais. Essa proposta fundamenta-se em temas mobilizadores como água, sementes, mercado, mobilização de mulheres, entre outros, que dialogam com segurança alimentar. “No terceiro módulo da formação com as professoras estamos trabalhando como construir um projeto temático para ser instrumento de reflexão em variadas disciplinas”, acrescenta Roberval, contando também que, no período entre os módulos, as professoras levam para casa tarefas de pesquisas que realizam junto a seus alunos, como uma investigação a partir de entrevistas com pessoas mais velhas da comunidade, sobre a história da agricultura nas suas comunidades ou sobre a mudança que tem acontecido no cardápio das famílias agricultoras da localidade.

* Com colaboração de Fernanda Cruz