Agroecologia
31.08.2016 PB
Articulação do Semiárido Paraibano promove oficina para debater relações de gênero e feminismo

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Foto: CENTRAC

“Sem Feminismo Não Há Agroecologia!” Foi partindo desta bandeira de luta que a Articulação do Semiárido Paraibano (ASA-PB) realizou, durante os dias 23 e 24 de agosto, uma oficina de formação sobre relações de gênero e feminismo. A atividade aconteceu no Hotel Fazenda Day Camp, em Campina Grande, reunindo cerca de 50 pessoas, entre elas comunicadoras e comunicadores, agricultoras e agricultores familiares, assessoras e assessores técnicos e coordenadoras e coordenadores das organizações que fazem parte da rede.

Na manhã do primeiro dia, a coordenadora da ASA-PB, Glória Araújo, deu as boas vindas, ressaltando a importância do tema para a convivência com o Semiárido. “Esse encontro é fruto de um processo que a gente vem construindo na ASA desde 2008, quando fizemos o primeiro encontro de mulheres. E, naquele momento, a gente viu a necessidade e refletiu que, para a transformação social e o fortalecimento da agroecologia e do feminismo, a gente precisar debater esse tema com homens e mulheres. Depois desse ano, a ASA começou a dar mais visibilidade às mulheres nas sistematizações, a abordagem de gênero passou a ser mais tocada no semiárido paraibano. Construirmos um GT de mulheres e agroecologia, onde nós dialogamos com outros estados e compartilhamos nossas experiências”, afirmou Glória.

Foto: CENTRAC

Para dar início a discussão do tema, foi feita uma dinâmica com 10 participantes. A facilitadora Lucileide Alves Gertrudes, conhecida como Leda, assessora técnica da AS-PTA – Agricultura Familiar e Agroecologia, espalhou alguns objetos na sala e pediu que cada pessoa escolhesse um objeto e explicasse por que achava que aquele objeto representava mais o homem ou a mulher. “Não é de hoje que é reproduzido na igreja, na escola, na família que existe exercício de homem e de mulher e a gente precisa descontruir isso, qualquer mulher pode jogar futebol, qualquer homem pode lavar uma louça, qualquer mulher pode construir o que ela quiser”, falou Leda.

Após a dinâmica, foi apresentado o vídeo “A Vida de Margarida”, uma história que conta o dia a dia de uma família agricultora, onde os personagens mostram como os papéis hoje desempenhados por homens e mulheres foram socialmente construídos, gerando desigualdades e injustiças. A história é encenada pelo Grupo de Teatro amador do Polo da Borborema, formado por agricultores, agricultoras, lideranças e técnicos do Polo da Borborema e da AS-PTA.

Foto: CENTRAC

Seguiu-se após a exibição do filme, um debate entre os participantes do encontro: “A gente percebe nesse filme duas estruturas muito fortes, a divisão do trabalho entre homens e mulheres e quando a gente vê o técnico chegar e desvalorizar o trabalho da mulher no arredor de casa. Há uma tendência quando a gente vê esse filme de criminalizar a Margarida, porque ela lava os pés do esposo, mas a gente tem muitos resquícios escravocratas, os homens potencializaram isso, porque eles sempre foram os senhores de escravos e isso se reproduz nas mulheres”, avaliou a coordenadora do Programa Desenvolvimento Sustentável do Centro de Ação Cultural – Centrac, Madalena Medeiros.

“Na minha experiência de vida enquanto mulher, enquanto pessoa, eu não conseguia identificar a violência e o machismo. Eu achava que aquilo era normal e eu só vim entender a dificuldade das relações de gênero quando eu passei a participar de um grupo de mulheres e ouvir os depoimentos delas. É difícil a gente identificar essa violência, porque a gente naturaliza e isso vai sendo reproduzido pelas mulheres”, conta a comunicadora do Instituto Nacional do Semiárido – INSA, Simone Benevides.

“Nós, mulheres, somos sobrecarregadas culturalmente, tudo que nos envolve é de uma cultura de exploração. No vídeo a gente vê, ele passa o dia inteiro explorando ela e a noite ela ainda tem que estar disposta a ter relações com ele. Se eu for discutir sexualidade com a minha mãe, por exemplo, e eu disser a ela que eu só faço sexo quando eu quero, ela vai achar um absurdo, porque ela foi ensinada que a mulher tem que servir ao marido quando ele quiser, é difícil desconstruir isso”, afirmou a coordenadora do Programa Direitos e Igualdade de Gênero do Centrac, Mary Alves.

“Eu ainda vejo muito homem na comunidade falando mal das mulheres, quando elas vão participar das reuniões, dos intercâmbios, dizendo que elas são um bando de desocupadas. As vezes o marido nem se importa que a mulher participe, mas quando os amigos começam a falar eles já mudam de ideia. É uma realidade ainda, principalmente nas pequenas comunidades, mas que a gente que é homem precisa entender que a mulher tem direitos, tem sua liberdade”, falou o agricultor Erasmo, da dinâmica do Casaco.

No período da tarde, o grupo foi dividido em 3 para acompanhar o Carrossel de experiências metodológicas para o enfrentamento das desigualdades entre homens e mulher. O carrossel foi dividido em 6 estações: Médio Sertão, Curimataú, Polo da Borborema, Coletivo, Folia e Casaco. No carrossel de experiência do Fórum de Lideranças do Agreste – FOLIA, Madalena Medeiros e Mary Alves, da equipe do Centrac, explicaram a dinâmica trabalhada no território sobre gênero nos últimos dois anos, por meio da construção da noção de justiça, divisão social, sexual e racial do trabalho, e invisibilidade do trabalho das mulheres. “A gente que trabalha com gênero entende que é um processo quase de conversão, você não pode transformar o que você não reconhece como um problema. Essa construção das desigualdades não é uma construção de dois anos, é de milênios, mas em pouco tempo a gente já observa mudanças significativas nas vidas das mulheres do campo”, afirmou Madalena.

O Coletivo Regional das Organizações da Agricultura Familiar também apresentou sua experiência no território do Seridó, Cariri e Curimataú e como o acesso a água de beber e de produção tem proporcionado maior autonomia para as mulheres agricultoras. “Nos territórios a gente percebe ainda uma predominância do machismo na política, nas instituições e na agricultura familiar. Mas o trabalho que a gente realiza proporciona uma melhoria de vida para as mulheres camponesas, elas estão participando mais das reuniões, das formações nas igrejas, na comissão municipal, nos fóruns territoriais. É importante identificar essas mudanças, mas a gente sabe que é preciso descontruir a cultura do machismo todos os dias”, ressaltou Petrúcia Nunes, de Juazeirinho-PB.

Foto: CENTRAC

Na estação organizada pelo Polo da Borborema, Roselita Vitor e Maria do Céu Silva, apresentaram a experiência desenvolvida nos últimos 13 anos organizadas pela Comissão de Saúde e Alimentação para o enfrentamento das desigualdades e da violência contra mulher, apontando a Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia como o espaço de desconstrução dessas desigualdades e de afirmação de caminhos para construção de autonomia e liberdade. As atividades do primeiro dia foram encerradas após o momento de debate sobre as experiências apresentas no carrossel.

No segundo dia, Mary Alves apresentou uma linha do tempo sobre a história do feminismo no Brasil, as lutas e as conquistas das mulheres, desde 1832 até a atualidade. E ainda uma análise da conjuntura politica do país, destacando os avanços de igualdade de direitos e políticas públicas para as mulheres nos últimos 14 anos e os retrocessos que a atual conjuntura estabelece para as relações de gênero. “Quando eu digo que eu sou feminista, eu quero dizer que a gente luta por um movimento filosófico, político e social, que visa a igualdade de direitos entre homens e mulheres. E uma característica importante é que esse movimento dialoga com pautas que não são só de mulheres”, disse Mary Alves. Após a análise sobre as condições das mulheres perante a conjuntura política e ideológica que perpassa as relações sociais na atualidade, Glória Araújo ressaltou a conjuntura atual dos programas de convivência com o Semiárido, questionando os/as participantes sobre a continuidade do trabalho de gênero nos territórios.

Durante a manhã, os territórios se dividiram novamente em grupo para debater o que estão fazendo enquanto ASA e como estão contribuindo para igualdade de direitos entre homens e mulheres, identificando o trabalho que permanece com e os desafios que se apresentam na atualidade. Nas apresentações, os principais pontos identificados sobre as mudanças que permanecem são: o protagonismo e resistência das mulheres; mulheres que se libertaram do ciclo de violência; os fundos rotativos solidários e as feiras agroecológicas como meios de geração de renda e autonomia para as mulheres. Entre os desafios apresentados, destacam-se: trabalhar as relações de gênero com a juventude e garantir a formação continuada pelas instituições em um cenário de recursos mais escassos.