Sementes
18.05.2017 CE
Casas de biodiversidade do Ceará formarão Rede de Sementes da Vida

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Por Emília Morais - comunicadora popular do Esplar

Com a rede de casas de sementes, as famílias agricultoras do Semiárido cearense poderão aumentar a diversidade das sementes | Foto: Arquivo Esplar

Um encontro de pessoas comprometidas com a preservação das plantas nativas da Caatinga. Em março deste ano, o Esplar convidou sócios e sócias de nove casas de sementes crioulas, localizadas na Região dos Inhamuns e Crateús, para apresentarem as experiências da guarda comunitária em suas comunidades. 40 agricultores e agricultoras de Caridade, Paramoti, Caucaia, Nova Russas, Tamboril e Monsenhor Tabosa viajaram até a comunidade Lagoa do Norte (Nova Russas) para o Encontro Territorial Casas de Semente que debateu o tema biodiversidade e transgênicos.

As mulheres e homens do campo lembraram várias espécies que plantavam em abundância em seus roçados e que hoje já não encontram mais com facilidade. Havia o Algodão-Mocó, o Milho Sabugo-Fino, o Feijão-Sempre-Verde e também as árvores nativas, como o Pinhão Manso, utilizado para fazer sabão, e a Cabaça-de-Colo, que era transformada em vasilhame nas casas dos sertanejos e sertanejas. “É preciso que os agricultores e agricultoras valorizem nossas sementes crioulas”, incentivou a agricultora Toinha, diretora do Sindicato de Agricultores Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Tamboril.

Semeadas há várias décadas pelas famílias agricultoras, as espécies crioulas foram adaptando-se ao clima e ao solo do Semiárido e tornando-se mais resistentes aos períodos de poucas chuvas. A tradição de armazenar estas sementes em casa ainda persiste entre o povo rural, defende a agricultora “Todo sócio e sócia é guardião e guardiã de sementes e tem a tradição de guardar”, explicou.

Contudo, o longo período de estiagem, de 2012 a 2016, causou perdas nas lavouras e estoques domésticos e, para amenizar este problema, o Programa Sementes do Semiárido foi implementado em 2015 por Organizações Não Governamentais vinculadas à Articulação Semiárido Brasileiro (ASA). No Rio Grande do Norte, Pernambuco, Ceará, Paraíba, Bahia, Piauí, Sergipe, Alagoas e Minas Gerais, comunidades foram incentivadas a organizar casas comunitárias, onde os sócios e sócias doam suas sementes nativas e podem retirá-las depois para o plantio.

Veja onde estão as casas de sementes no Ceará

Com o Programa Sementes do Semiárido, estima-se que cerca de 114 casas de sementes crioulas estejam ativas atualmente no estado do Ceará. Neste ano, o desafio será uni-las para que atuem conjuntamente resgatando a biodiversidade e protegendo as sementes naturais da contaminação por grãos transgênicos. “Nesse projeto atual, o foco é a criação da Rede de Sementes da Vida, queremos mapear todas as casas de sementes do Ceará”, explicou a agrônoma Ana Cristina Souza, que coordena no Esplar esta etapa do Sementes do Semiárido. Em Caridade, Paramoti e Caucaia serão construídas oito novas casas. “Vejo a diversidade de sementes e quero isto para a minha comunidade”, afirmou Verônica Emanuele Rodrigues dos Santos, agricultora que mora no município de Caridade.

O ato de guardar e trocar sementes faz parte da cultura do povo do Semiárido | Foto: Arquivo Esplar

No encontro, havia representantes de nove Casas de Sementes. Na cidade de Nova Russas, existe a Casa Gonçalo Rosa Magalhães (Pereiros), com 20 sócias/os e também a Casa Coração de Mãe (Lagoa do Norte), com 20 integrantes. Em Tamboril, na comunidade quilombola Torres, 30 pessoas guardam a Casa de Sementes Negro Romualdo; em Lages, 20 moradores/as integram a Casa Nova Vida; em Floresta, 20 agricultores/as cuidam da Casa Margarida Alves e no assentamento Passarinha, 55 moradoras/os estão à frente da Casa Paulo Freire. Em Monsenhor Tabosa, no assentamento Xique-xique, está a sede da Casa de Sementes Renascer para a Vida, que tem 22 sócias/os, já comunidade indígena Viração tem a Casa de Sementes Povos Potiguaras Viração, com 18 membros.

Quase todos os grupos aumentaram o número de sócias/os desde a fundação, como aconteceu na comunidade Lagoa do Norte, onde mora Antônio Marcos Martins Rodrigues. O agricultor falou da vontade do grupo em fazer melhorias na estrutura da Casa de Sementes. “Queremos mais sócios para a nossa Casa crescer”.

Transgênicos, perigo comprovado

O Encontro Territorial em Nova Russas foi uma oportunidade para atualizar informações sobre o risco dos grãos geneticamente modificados para a Saúde humana. A zootecnista e coordenadora no Esplar do Projeto Educação Para a Liberdade, Andrea Sousa, apresentou aos participantes os resultados dos testes científicos com milho transgênico feitos na Universidade de Caen, na França. O estudo mostrou que ratos alimentados com a semente NK06 durante dois anos desenvolveram câncer nas mamas, rins e fígado. No Brasil, quase toda a safra de milho é de espécies transgênicas. Em 15,7 milhões de hectares, há plantações de milho transgênico, o equivalente a 88,4% da safra nacional destinada para o abastecimento da indústria de alimentos. “Soberania e segurança alimentar é poder escolher o que consumir”, disse Andrea.

A Casa de Sementes serve também para prover uma boa alimentação para as pessoas da comunidade e resgatar os hábitos saudáveis. “Na minha comunidade, se consumia alimento que é nosso, fazíamos a farinha de milho para o cuscuz, mas com a seca voltamos a comer os industrializados”, disse Verônica Emanuele. Na ocasião, o agrônomo Waldemar Tilesse apresentou o Projeto Consórcios Agroecológicos com algodoeiro Mocó iniciado pelo Esplar em 2016, com apoio do Instituto C&A para oferecer a 80 famílias agricultoras assistência técnica para o cultivo desta espécie resistente à estiagem.